A censura mecanizada das redes sociais que ameaça universo das artes
Não são raros os casos de artistas e obras de arte que sofrem censura dentro de redes sociais, entretanto, processo desconsidera seu valor cultural
Nos dias de hoje é difícil conhecer alguém que não acesse diariamente redes sociais e outras plataformas de entretenimento – que atire a primeira pedra aquele que não utiliza regularmente pelo menos uma dessas ferramentas. Mas apesar de serem tão cotidianas para grande parte das pessoas, seus termos e limites ainda são nebulosos, sobretudo quando lidamos com a linha tênue que separa o que pode e o que não pode ser publicado nelas sem que os padrões da comunidade sejam violados. Polêmicas envolvendo artistas e representações gráficas são comuns – como o caso da Drag Queen Lia Clark, que teve o clipe de “Boquetáxi” removido do Youtube – mas ainda pouco se sabe sobre como é definido e se isso de fato é uma forma de censura.
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Regras da sociedade digital
Espaços públicos da internet, as redes sociais têm um conjunto de regras próprio – algo como uma “legislação” interna que rege o que é permitido circular dentro delas e estabelece parâmetros para censura
de publicações. A maioria dos termos das comunidades são iguais para a maioria dos sites – inclusive pelo fato de muitos pertencerem às mesmas empresas, como o Google e o Facebook, por exemplo.
Os materiais que não podem ser publicados nelas incluem: spams, publicações que violem direitos autorais, ameaças, bullying, assédio, nudez, representações gráficas de violência (inclusive sexual), autoflagelação ou mutilação, discursos de ódio e conteúdos ligados a facções e organizações extremistas. Esses são basicamente os critérios que discriminam o que pode ou não sofrer uma espécie de censura nas redes – ou seja, se uma publicação ou vídeo se encaixar em algum desses critérios será excluído ou ocultado, no caso do Youtube.
Quando uma denúncia de conteúdo impróprio é feita o formulário abrange todas as classificações presentes nesses manuais das redes sociais . Assim, a publicação, foto ou vídeo é retirado do ar se houver uma quantidade expressiva de pedidos e pode ser enviada para uma equipe de funcionários que analisa se, de fato, aquilo viola os termos do site. Contudo, o que realmente se passa nos bastidores dessa verificação não é aberto para o público. No meio desse processo há diversas falhas que desencadeiam debates sobre até que ponto a arte pode explorar e cruzar fronteiras.
Quebrando limites
Discutir qual é o limite entre arte , exposição e pornografia não é um assunto novo, porém como esse tipo de conteúdo deve ser exposto e entendido em redes sociais é uma pauta ainda recente – e por isso é difícil traçar suas bases para interpretar literalmente “o que pode e o que não pode” nesses ambientes.
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Em 2011 a polêmica foi abordada quando usuários do Facebook tiveram suas contas banidas após publicarem uma reprodução do quadro “A Origem do Mundo”, de Gustave Courbet. No final de 2016 um usuário criou uma conta no Instagram dedicada a postar mamilos para desafiar os padrões sobre nudez da rede social. Em julho deste ano a Drag Queen Lia Clark publicou o vídeo de “Boquetáxi” no Youtube e a publicação foi automaticamente “escondida” após denuncias de conteúdo impróprio para menores de idade. Todos os casos citados têm algo em comum: manifestações artísticas que provocam aquilo que nos é imposto socialmente como moral.
Desde os primórdios da história da arte a nudez é uma das principais formas de expressão artística – sendo, inclusive, consagrada como algo clássico e comum a basicamente todos os períodos da humanidade e em diversas culturas. A censura de redes sociais apresenta duas grandes brechas que podem obstruir a exibição artística: é vulnerável à denúncias em massas de grupos organizados que se reúnem para “eliminar” propositalmente narrativas discordantes e seu pragmatismo digital.
O segundo ponto é nesse contexto o mais relevante. Parte da verificação do que cai dentro dos padrões de censura das redes são feitas por bots – programas desenvolvidos para identificar e derrubar publicações dentro do que é estipulado pelas guias. Esse processo automático levanta a questão de como uma máquina poderia fazer o discernimento entre, por exemplo, arte e pornografia ?
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É correto que as redes sociais – em última instância as corporações de tecnologia por trás delas – possam apagar conteúdos que estejam na intersecção entre a arte e a nudez , o sexo e a violência? Um software é capaz de discernir entre um quadro e pornografia? Sem a sensibilidade humana por trás desses mecanismos criados para manter a ordem nas redes, é possível classificar o procedimento como uma forma de censura que torna obsceno aquilo que faz parte da cultura há milhares de anos?