Escritores deixaram de ser aquela foto em preto-e-branco antiquada de um senhor sisudo com barba e longos bigodes – ou alguém já viu Machado de Assis sorrindo em um retrato? Ou então posando com algum de seus livros? Esse estereótipo engessado da figura quase caricata de um autor está caindo por terra, e muito disso se deve à figura de Neil Gaiman que, nos últimos anos, conseguiu chegar ao status de personalidade da cultura pop. Ao contrário de livros em que o autor não tem um rosto, é difícil desassociar “Sandman” do homem alto, magro, com cabelos levemente desarrumados e sempre de preto que está sempre na mídia. Mas o que, de fato, desencadeou essa ascensão de autor para “figurão pop”?

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Neil Gaiman é autor de
Reprodução/Facebook
Neil Gaiman é autor de "Deuses Americanos", livro que inspira série que estreia no Amazon Prime Video em 1 de maio

Timing perfeito

Para quem acredita que as coisas são produto do seu tempo, uma hipótese para o sucesso midiático de Neil Gaiman pode ser justamente que ele era a pessoa certa no momento certo. Com uma pequena dose de excentricidade – no nível exato, sem ser “estranho” demais, mas ainda gerando curiosidade e simpatia tanto como ele como personagem – e o talento para criar histórias e universos fantásticos, Gaiman deixou o jornalismo de lado para se dedicar completamente à escrita criativa em meados da década de 1990.

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Gaiman apareceu como escritor de ficção em um período em que a fantasia estava entrando em pauta – “Good Omens”, seu primeiro romance, foi publicado somente alguns anos antes que a primeira edição de “Harry Potter”, escrito por J. K. Rowling, outra autora que, assim como o inglês, ficou tão grande quanto seus livros. Assim, pode ser que ele tenha se tornado um fenômeno não apenas por si mesmo, mas porque, naquela época, o publico pedia por novos autores, autores, agora, com um rosto, uma história e que não representasse aquele escritor arcaico dos clássicos da literatura, mas que, mesmo assim, tivesse um trabalho de qualidade.

“Sandman”

“Sandman” começou a ser publicado em 1989, pouco antes do “boom” dos quadrinhos que aconteceria nos anos seguinte, com adaptações de HQs explodindo no cinema e ser “geek” fosse o novo “cool”. Desse modo, é possível falar que Neil Gaiman estava na vanguarda de um movimento que, em breve, engoliria a cultura pop em escalada global, uma vez que a moda deixa de ser geograficamente restrita e passa a ganhar o mundo com as novas tecnologias de comunicação. Assim como Allan Moore, com “Watchmen”, – que, inclusive, foi uma das fontes de inspiração do autor – Gaiman, com “Sandman”, ganhou uma posição de imenso destaque, conquistando, por um lado, uma legião de fãs que criaram seu trono na indústria do entretenimento e, por outro, a crítica, levando, inclusive, prêmios dedicados à obras literárias. Pode-se atribuir, então, a fórmula do sucesso nos dois universos – que, em muitos casos, operam em esferas completamente distintas – ao êxito de “Sandman”.

Do meio

O estilo de Neil Gaiman escrever é essencialmente visual – é muito difícil ler algum de seus trabalhos e não imaginar uma sequência quase cinematográfica de imagens e falas – e, por isso, o autor acabou se tornando um dos preferidos para adaptação de narrativas para filmes e televisão – ele tem no currículo diversas participações como roteirista e produtor audiovisual, sendo a mais recente em “Deuses Americanos”, série baseada em seu livro do mesmo nome que foi produzida pelo canal Starz. Sendo assim, para que ele deixe de ser apenas a pessoa “por trás” e se torne um personagem de seu próprio universo foi um passo. Participações em eventos, programas e coisas do tipo chamaram a atenção para “quem era Neil Gaiman”, ao invés de, como de costume, apenas falar em seus trabalhos. Em uma entrevista para o jornal The Guardian é possível notar que até sua forma de falar  propicia o envolvimento do público com ele enquanto autor.

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Cena da série
Divulgação
Cena da série "Deuses Americanos", adaptação da obra homônina de Neil Gaiman

Esse relacionamento de proximidade é, também, outra ferramenta que o colocou no pedestal de figura pop. Utilizando a internet e as mídias sociais à seu favor, Neil Gaiman soube projetar seu trabalho no universo virtual: em 2001, enquanto escrevia “American Gods”, o escritor lançou uma blog onde acompanhava a própria jornada enquanto autor de um romance – a sensação é de que ele é uma personagem-viva que pulou de dentro de seus livros para a realidade. Afinal, não há um motivo certo para explicar o sucesso de Gaiman, mas sim uma mistura de elementos que dialogam em uma narrativa única que, no final, criaram a imagem do “autor para o público”, substituindo o “autor da orelha do livro” descrito em algumas poucas linhas.

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