Documentário “A Terceira Margem” retrata conflito de identidade indígena

Por meio de duas histórias opostas, documentário “A Terceira Margem” mostra as dificuldades de não se identificar nem como indígena, nem como “homem branco”. Filme integra a programação do festival É Tudo Verdade

Em 1953, em uma de suas expedições pelo interior brasileiro, os irmãos Villas-Bôas se depararam com diversas tribos indígenas . Numa delas, os Kayapó, eles encontram um “menino branco”, João “Kramura” Abreu Luz. João foi pego pela tribo quando tinha 10 anos, e lá viveu até os 18, quando foi “resgatado” pelos Villas-Bôas. Ele então, retorna a cidade de sua família, mas não consegue se adaptar a dita “civilização”, pois os costumes Kayapó já estão enraizados nele. A busca pela história de João é o mote de “A Terceira Margem”, de Fabian Remy.

Foto: Divulgação
Cena do longa A Terceira Margem, de Fabian Remy



Leia também: Documentário indicado ao Oscar, “Eu Não Sou Seu Negro” desnuda América racista

Remy procurou por João no Xingu em 2005 e descobriu que ele havia falecido semanas antes de sua chegada. Anos depois, o diretor conheceu Thini-á Fulni-ô, e viu nele a oportunidade recontar a história de João, com uma perspectiva que ultrapassava a barreira do espectador. Assim, “ A Terceira Margem ” relembra uma história do passado, ao mesmo tempo que a vive no presente.

Leia também: Documentário sobre Carrie Fisher e Debbie Reynolds ganha primeiro trailer; veja

Nascido na tribo Fulni-ô, Thini-á fez o caminho oposto de João: largou sua tribo aos 15 anos e foi “viver como os brancos”. ele relembra o deslumbre ao chegar em Brasília, e a sensação que teve de que “o povo branco era muito unido”. No documentário ele acompanha Remy no Xingu a procura do passado de João e conversa com muitas pessoas que passaram por sua vida, incluindo parentes, colegas de trabalho, amigos e companheiros de tribo, também da família.

Leia também: Com timing certeiro, "Mexeu com Uma, Mexeu com Todas" avança agenda feminista

Identidade

Thini-á começa a descobrir que João, apesar de se estabelecer longe da tribo, na cidade de Luciara, não consegue deixá-la para trás. Ele fica por 10 anos na cidade mas, de acordo com moradores que conviveram com ele, João se manteve recluso e sozinho, como se seu lugar não fosse ali.

Por meio dos conflitos de João, Thini-á é confrontado por seus próprios. E é nesse momento que o documentário enriquece tanto. Ao comentar sobre suas dificuldades em lidar com o sentimento de pertencer a uma tribo e querer viver em uma sociedade urbana, ele reflete o sentimento de João e, apesar de cada um ter nascido de um lado, eles se encontram exatamente no meio. Como o próprio Remy, que narra o filme, diz, “Thini-á e João são de tribos e regiões diferentes, mas compartilham a experiência de transitar entre dois mundos”.

“A Terceira Margem”, então, vai além da história de João. Por meio de sua vida, o documentário destaca os conflitos de identidades de quem circula por esses dois mundos que parecem tão distintos. Se a “civilização moderna” atrai, com seus computadores que permitem se comunicar a distância e seus carros que percorrem com rapidez as estradas de terra; a raiz, o coração, os costumes e o “existir” também, o que aumenta a sensação de deslocamento e, no caso de Thini-á, o deixa sempre com um sentimento de saudades, seja daqui, ou seja de lá.