José Mayer representa modelo decadente do "homem pegador" da ficção
A denúncia contra José Mayer abriu os olhos do público para um problema muito maior: a criação de ideias machistas através de personagens fictícios
O caso de assédio de José Mayer abriu as portas para uma discussão maior sobre os estereótipos masculinos na mídia: quando o texto da figurinista Susllem Tomami foi publicado pela Folha de S. Paulo no blog #AgoraÉ QueSãoElas , o ator tentou se defender alegando que as atitudes não eram suas, mas de seu personagem Tião Bezerra na novela “A Lei do Amor”. Na tentativa de justificar suas atitudes, Mayer deu espaço para analisar um modelo de “homem” que não apenas ele, mas muitos outros atores interpretam na ficção: o homem machista, “garanhão” e que desrespeita mulheres sistematicamente.
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Diversos casos de sexismo e violência contra as mulheres vieram à tona recentemente: por exemplo, o cantor da dupla Victor e Leo , Victor Chaves será investigado por agredir sua esposa grávida , ou então quando, durante a cerimônia do Oscar desse ano, a atriz Brie Larson se recusou a aplaudir Casey Affleck na hora de entregar seu prêmio como forma de retaliação pelas denúncias de assédio sexual que pesam sobre o ator e ainda quando os fãs de “ Harry Potter ” se mobilizaram nas redes sociais para boicotar o ator Johnny Depp , acusado de agredir sua ex-esposa, na franquia “ Animais Fantástiscos e Onde Habitam ”. Outros vários atores e celebridades também convivem com denúncias do gênero, como Sean Penn, John Travolta, Michael Fassbender, dentre outros.
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A lista com nomes envolvidos em escândalos machistas só aumenta e esses são alguns dos exemplos de um assunto que está, cada vez mais, ganhando visibilidade e, mesmo que nem sempre os casos sejam levados a diante, o fato desses relatos chegarem ao público já representa um avanço pelo que isso representa. O psicólogo Yuri Busin, especialista em emoções humanas, acredita na importância dessa movimentação que vem acontecendo, pois, através dela, se cria uma consciência acerca do tema. “As pessoas começam a reparar que precisam se posicionar e mostrar que podem fazer isso”, comenta.
A nova face do homem
A sociedade mudou – e, assim, a representação dos homens na mídia tentou acompanhar essas mudanças. O ideal de personagem “machão e conquistador” esta longe de ser o preferido do público e, pelo contrário, os homens na ficção com esses traços são vistos como os vilões da história. Os papéis do próprio José Mayer representam essa nova visão que se tem sobre a masculinidade na ficção: no passado, ele atuou em “Presença de Anita”, onde traia a esposa com uma garota muitos anos mais jovem, que, no final, seria assassinada por ele mesmo – e jamais assumia a culpa pelo crime. Já em “A Lei do Amor”, mesmo que as características se repetissem, Mayer era o elo negativo da história.
O ator brasileiro é apenas um exemplo de centenas de representações distorcidas da masculinidade na ficção. Em “ O Lobo de Wall Street ” Leonardo DiCaprio interpreta Jordan Belfort, uma caricatura perfeita de um tipo que era muito comum – e aceito – socialmente: machista, o investidor se aproveitava e desrespeitava as mulheres ao seu redor, porém sem nunca sofrer as consequências por isso, pelo contrário, sua fama, prestígio e “poder de sedução” jamais foram influenciados por isso. Além de ter sucesso na esfera profissional, Jordan é cobiçado pelas personagens femininas. O filme de Martin Scorcese é do ano de 2013, mas traduz um “personagem da vida real” muito comum até o final da década de 1990, que era tido, inclusive, como alguém desejável, sobretudo pelas mulheres. Até pouco tempo atrás, vendia-se a ideia de que aquele homem cheio de desvios era um “modelo ideal” a ser seguido.
Outro caso emblemático nesse aspecto é o ator Mickey Rouke – que, na década de 1980 estrelou o romance “9 ½ Semanas de Amor” e, por isso, ganhou o status de “homem perfeito”, porém a realidade estava longe disso. Enquanto sua figura dominadora era vista um “sex symbol” da época, seu relacionamento com a modelo Carré Otis era, no mínimo, conturbado. O ciúme do ator era doentio a ponto de restringir sua liberdade e tentar acabar com sua vida profissional, além do comportamento agressivo constante que Rourke tinha com ela. A modelo chegou a admitir que, para os outros, seu relacionamento parecia um sonho, mas que a verdade passava bem longe disso.
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Com a ascensão das vozes femininas no espaço público essa imagem foi – e está – sendo desconstruída aos poucos. Yuri Busin ressalta que a mudança no olhar para o tema pela mídia é fundamental e tem um papel didático no processo. “A representação desse papel como algo errado faz com que as pessoas rejeitem esse tipo de atitude. Antes elas faziam isso naturalmente”, diz o psicólogo.
Desgaste
A mentalidade da nossa época é outra. Mais ninguém quer ver homens subjugando, humilhando e explorando mulheres na ficção. Quem hoje em dia sonha em ter ao seu lado um homem machista e dominador ? O modelo do “ macho alfa ” já se esgotou e não faz mais a cabeça do público como fez nas décadas de 1980 e 1990 – ao contrário, o público quer ver mais igualdade e respeito nas telas, porém ainda não criaram um “substituto” para esse estereótipo. A nova novela “ A Força do Querer ”, lançada esse ano, mostrou o ator Rodrigo Lombardi perseguindo sua ex-noiva depois de não aceitar um término na relação – ou seja, estão apresentando “mais do mesmo”.
“Uma cultura machista demora muito para mudar”, afirma o psicólogo Yuri Busin e, por isso, é necessário que haja um trabalho constante do público para se posicionar contra a manutenção de personagens machistas na ficção – bem como lutar contra atores que perpetuem atitudes abusivas em suas vidas pessoais, pois, até hoje, pouco se faz nesse sentido e, em geral, comportamentos problemáticos não interferem na carreira de estrelas.