“Travessia” evita obviedades ao tratar de dores emocionais
“Travessia”, estrelado por Chico Diaz e Caio Castro, flerta com o cinema comercial, mas não deixa sua originalidade de lado. Longa estreia quinta (23)
Por Reinaldo Glioche |
Fazer um filme recheado de silêncios é sempre um risco para qualquer diretor, para um cineasta estreante, é um risco ainda maior. Justamente por isso, é espantosamente boa a liberdade que João Gabriel , egresso do mercado publicitário, usufruiu em “Travessia”, que estreia nesta semana nas salas do País.
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Em “Travessia” , Chico Diaz é Roberto, um homem que vê sua relação com seu filho Júlio ( Caio Castro ) esfacelar-se após a morte da esposa. Há uma disputa judicial entre eles que o público jamais domina absolutamente. Roberto tenta ir ao encontro do filho, de maneira desarticulada, mas ele o rejeita. Júlio está amorosamente envolvido com Marina (Camilla Camargo), mas parece estar mais imerso em sua circunstância como traficante.
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Roberto, por seu turno, tenta se achar em uma prostituta, mas acaba atropelando um menino, com quem estranhamente cria um vínculo movido à culpa e abandono.
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“Travessia” vai se construindo em cima desses fragmentos. São poucos diálogos e a Salvador que se forma diante de nossos olhos está longe de ser aquela dos cartões postais. A cidade faz parte do estado de espírito dos personagens e vice-versa. Este é um filme que problematiza a masculinidade sem mesmo indicar para o público a intenção de fazê-lo. A sensibilidade com que aborda os conflitos de Roberto e Júlio, e a maneira irresoluta desta abordagem, inflige ao espectador a responsabilidade de ser ativo no desenvolvimento dos personagens. Não há catarse. Pelo menos não de uma forma convencional.
Chico Diaz
, um ator que fala com a face, parece ser mesmo a escolha perfeita para viver Roberto, um homem tolhido pela dor. Já Caio Castro demora a penetrar a pele de Júlio, mas ganha pontos por se desafiar com um personagem totalmente fora de seu script.
João Gabriel não fez um filme à prova de balas, mas “Travessia” é uma produção corajosa em meio ao lugar comum que tanto prospera no cinema brasileiro. Quer ser comercial, mas quer ser diferente. Confia na intuição do público e na sua capacidade de digerir uma história que não vem mastigada. Uma bem-vinda surpresa!