Thiago Calil

Sobre Zé Celso, liberdade e terapia

Um dos principais nomes do teatro brasileiro, dramaturgo morreu aos 86 anos

Foto: Divulgação
Zé Celso Martinez interpretando um Papa na peça 'Ela' (1998)

Eu estava em terapia na manhã desta quinta-feira (6) quando soube da morte do dramaturgo Zé Celso Martinez Corrêa , aos 86 anos, em São Paulo. Imediatamente interrompemos a discussão para lamentar a perda de mais um ícone da cultura brasileira e trocar sobre a nossa torcida para que ele se recuperasse das sequelas de um incêndio no apartamento onde morava. Infelizmente, o que não aconteceu.

Curiosamente, tínhamos começado a sessão de hoje falando sobre como o Brasil foi forjado em cima de uma política escravista; sobre como a elite branca, gananciosa e poderosa esteve por trás de todas as tragédias da história político-social brasileira – do genocídio indígena a partir de 1500 ao negacionismo mortal dos últimos quatro anos; sobre como muitas vezes o Estado é a única tábua de salvação dos oprimidos e, ao mesmo tempo, o algoz opressor.

De certa forma, Zé Celso foi um resumo dessa história. O dramaturgo enfrentou a repressão, que se apresentou da forma mais cruel. O Teatro Oficina materializou e ajudou a imortalizar o Tropicalismo na cultura brasileira, além de ter sido berço de inúmeros talentos nacionais.

Provocador, transformador, reverenciado, consagrado... tantos adjetivos que fazem parecer que a vida do artista foi só de portas abertas. Mas, pelo contrário, elas estavam todas fechadas. Zé Celso teve de lutar sempre. E morreu lutando. Brigou para sobreviver quando enfrentou a violenta tortura nos porões da ditadura. Viu sua obra, por diversas vezes, ser tratada de forma marginal e desdenhada. Lutou para manter em pé o teatro que é símbolo da nossa arte, mesmo que para isso tivesse que, pequenininho e quase solitário, enfrentar os tubarões do poder econômico.

Não foi a primeira vez que a perda de um nome desse porte ocupou minhas sessões de terapia. Flávio Migliaccio, Elza Soares, Gal Gosta, Rolando Boldrin, Glória Maria, Rita Lee...  pessoas que fizeram da própria vida um ato político. Artistas – cada um à sua maneira – que enfrentaram, lutaram, transformaram e, para desgosto de conservadorismo, se tornaram imortais.

Sempre que as mortes de famosos viraram tema de debate, a minha terapeuta chamou a atenção para a vida que eles levaram. Não que a perda desses nomes seja algo irrelevante, mas no sentindo de serem pessoas que viveram de fato, no sentido mais amplo da palavra. “ Ele se casou do jeito que ele queria, depois de tanto tempo . Esse homem fez tudo o que ele queria fazer”, destacou a analista.

A morte de Zé Celso me entristece. Mas a vida dele e a oportunidade de ter sido contemporâneo de uma figura como essa – e dos outros nomes que já citei – me enche de orgulho. Termino minha sessão com um pensamento gritando em minha cabeça: o que estou fazendo com o meu tempo?

Fim da terapia, o trabalho urge e a pergunta fica.

Obrigado, Zé Celso. Certamente honrando sua história será um bom caminho para seguir escrevendo a minha.