
Com 35 anos e 20 de estrada, o lusitano Ângelo Rodrigues é um dos principais nomes de "Olhar Indiscreto", trama de terror psicológico que integra o catálogo da Netflix e aparece no Top 10 de séries mais assistidas do serviço de streaming em 57 países. Intrigante, quente e inteligente, a obra, criada pela escritora e roteirista argentina Marcela Citterio, acompanha "uma voyeur incontrolável" (Débora Nascimento) que passa os dias observando a rotina de uma garota de programa (Emanuelle Araújo) que mora no prédio em frente.
Em entrevista exclusiva ao site iG Gente, o bonitão relembrou o seu début na televisão como uma das apostas do elenco da novela "Doce Fugitiva", da TVI. Depois disso, não parou e vem colecionando papéis memoráveis em sua terra natal. Mas foi em 2015, durante o intercâmbio de seis meses na Unirio, que teve a oportunidade de incorporar a cultura "verde e amarela" no currículo, atuando em um dos episódios do seriado "As Canalhas", do canal pago GNT.

Paralelo a isso, Ângelo faz voluntariado. Em 2014, lecionou teatro no Complexo Penitenciário de Bangu, na zona oeste carioca. Em 2016, ensinou artes cênicas em Moçambique. Em 2022, deu aulas de inglês a monges no Nepal e foi assistente de cuidadores de elefantes num santuário para os animais no Camboja.
Em breve, será visto no longa-metragem "Cherchez La Femme", adaptação do livro "A Confissão de Lúcio", de Mário de Sá Carneiro. A direção é de António Cunha de Teles, que faleceu durante o desenvolvimento da obra. O lisboeta foi um dos criadores do movimento do Cinema Novo. Confira os melhores momentos do bate-papo!

1. Sobre "Olhar Indiscreto", o que foi mais difícil: a pronúncia ou as cenas picantes?
Falar o "brasileirês", definitivamente. As ações de intimidade inspiravam cuidados, mas estavam protegidas na narrativa pela psicologia dos personagens. Eram atos diferentes, com graus de exigência distintos. Vigiar como pronunciava os ditongos ou arrastava a última sílaba das palavras era um fator técnico, mas não menos exigente.

Antes das gravações, frequentei o Centro de Estudos da Voz (CEV), onde pude trabalhar com a Thays Vaiano, a fonoaudióloga que me ajudou a limpar o sotaque para interpretar o Heitor. Os encontros presenciais passaram a ser remotos, e depois demos continuidade por meio da partilha de áudios via celular. Decorava o texto, gravava a voz e enviava para a Thays, que fazia as correções. Durou cerca de três meses e exigiu grande concentração de mim.
2. Em Portugal, você é superprestigiado pela imprensa e pelo público. Porém, no Brasil, ainda é pouco conhecido. Como tem sido a recepção?
A repercussão superou completamente minhas expectativas. Ninguém esperava a projeção internacional que teve. Sabíamos do potencial da história, mas não imaginávamos que fosse tão bem recebida.
As pessoas têm sido afetuosas nas palavras que me dedicam. Chegaram mensagens de todos os cantos do país demonstrando apreço pela trama e pelo papel que desempenhei. O público tem sido carinhoso.

3. Tem interesse em desenvolver uma carreira em solo brasileiro e fazer telenovelas, assim como alguns conterrâneos seus?
No futuro, quero estar mais vezes no Brasil e não distingo que os convites surjam do teatro, do cinema ou da televisão. O país vive uma ebulição criativa, inclusive nas plataformas de streaming, alavancando boas produções nacionais. Não vejo motivo para não cruzar o Atlântico...
4. Por aqui, grande parte dos artistas sempre fala da dificuldade de se manter com a profissão devido às incertezas, à falta de apoio do governo etc. Como é em Portugal?
Portugal e Brasil sofrem das mesmas dores. A intermitência é o que faz os colegas procurarem alternativas ou desistirem. Não somos uma nação abastada, logo a produção audiovisual não pode ser ambiciosa no quesito orçamental. O ator português joga com o que tem, normalmente se desdobrando em múltiplos ofícios para conseguir pagar as contas.

5. Além do período em que gravou a minissérie, você passou um tempo em terras tupiniquins e até fez alguns trabalhos. Já assimilou certas particularidades do nosso comportamento no seu dia a dia?
O namoro com o Brasil vem desde 2014, quando fiz intercâmbio no Rio de Janeiro (Unirio), no âmbito da minha licenciatura. De lá para cá, venho identificando as idiossincrasias do povo brasileiro. Tento viver com alegria e de forma descomplexada, mantendo uma perspectiva otimista diante dos obstáculos.
6. Como surgiu a sua forte conexão com a atuação voluntária? E como define os projetos nos quais vai se empenhar?
Tenho uma curiosidade inesgotável pela natureza humana, o que faz com que vadie pelos continentes na expectativa de achar respostas para os meus questionamentos. Sinto que, a cada percurso, vou levantando o véu do grande mistério que é a nossa espécie. Disponho de uma compreensão limitada do funcionamento do universo, por isso quero acreditar que as viagens me deixam um pouco menos ignorante. Não pretendo ser um observador passivo do mundo, e sim a parte ativa e ajudar a construí-lo.
Daí faço com que esses atos sejam de extrema importância para mim. Aliás, são autênticos divisores de águas na minha história. Por norma, escolho causas onde possa colaborar com a minha área de formação, mas nem sempre isso acontece. A última ONG com quem lidei foi a Elephant Livelihood Initiative Environment (ELIE), com sede no Camboja, que costuma retirar elefantes de ambientes abusivos, dando a eles uma chance de viverem com dignidade.

7. De que forma já foi influenciado desde que passou a agir em benefício alheio?
Com o tempo, descobri que não é apenas na ficção que posso ter outras vidas, mas também no mundo real. Essas experiências têm sido tão marcantes que planejo imortalizar algumas delas em documentário. Se, com isso, conseguir impactar positivamente alguém, terei a tarefa concluída neste planeta.
8. Estamos vendo uma onda de mulheres se libertando da ditadura da beleza e de seus corpos, coisa que, para os homens, parece ser mais natural. Como enxerga as imposições a respeito do seu físico?
Como estratégia antissofrimento, procuro encarar essa questão de maneira saudável. O que faço é manter um ânimo perpétuo de aperfeiçoamento, interno e externo, tentando viver à parte de cobranças alheias. Não é fácil, aliás, é mais bonito na teoria do que na realidade, mas tento viver sem hipocondria com a minha aparência.

9. Conte sobre os sonhos profissionais.
Neste momento, encarnar personagens complexos e dirigir longas e curtas por onde for.
10. Quais seus próximos planos pessoais e artísticos?
Como diretor, vou estrear o meu terceiro documentário em 2023. Chama-se "Qomolangma", que significa "mãe sagrada do universo" em tibetano. É sobre uma jornada que fiz com a minha irmã ao primeiro acampamento-base do Monte Evereste, na China.
Como ator, protagonizei o filme "Cherchez La Femme", uma adaptação livre do conto "A Confissão de Lúcio", de Mário de Sá Carneiro. Tem previsão de estreia para este semestre.
O diretor António Cunha Telles, um dos nomes mais incontornáveis do cinema português, faleceu no final das gravações. O filme, sendo uma obra póstuma, será uma homenagem a esse grande colaborador da sétima arte.