Gabriel Perline
Exclusivo

Globo é denunciada no MP por intolerância religiosa em novelas

Membros da liderança de religiões de matrizes africanas registraram a queixa no Ministério Público

Foto: Divulgação
Amauri Soares é o atual diretor dos Estúdios Globo, e principal alvo da denúncia feita ao MP


Uma frente da liderança de religiões de matrizes africanas entrou com uma representação no Ministério Público Federal contra a Globo e registrou uma denúncia de prática de intolerância religiosa nas novelas. De acordo com o documento, ao qual a coluna teve acesso, o alvo das investigações é Amauri Soares, diretor dos Estúdios Globo, que teria orientado os autores da dramaturgia em não investir mais em tramas com temáticas espíritas e privilegiar as evangélicas.


A pedido dos denunciantes, a coluna manterá suas identidades em sigilo. Mas o motivo do pedido de investigação nasceu por conta de uma reportagem da colunista Carla Bittencourt, publicada em setembro, na qual relata que o todo-poderoso da Globo quer conectar o conteúdo da emissora ao público evangélico e, para isso, deveria abrir mão de roteiros espíritas.

Segundo a publicação, o ex-marido de Patrícia Poeta promoveu uma reunião com os autores de novelas da Globo e explicou que o catolicismo vem perdendo força no Brasil, e em dez anos os evangélicos serão o maior grupo religioso, de acordo com suas estimativas. Com isso, trabalhar suas tramas com enredos nessa linha pode vir a fazer esta parcela da audiência, que fugiu em debandada na gestão de Jair Bolsonaro, se reconecte às suas produções.

A reportagem que motivou a denúncia ao Ministério Público ainda diz que a obra que Thelma Guedes escrevia para a faixa das 18h tinha um viés espírita e acabou engavetada pela emissora. Além disso, foram registradas a demissão da autora Elizabeth Jhin (especialista no gênero), o cancelamento do remake de A Viagem --clássico da dramaturgia da emissora-- e a reexibição de tramas de sucesso com esta temática no Vale a Pena Ver de Novo.

A denúncia foi registrada em 27 de setembro, um dia após a publicação da reportagem. O Ministério Público já deu o alerta de que recebeu o material e está analisando o conteúdo. Caso seja acatado, o próximo passo será o início da investigação para saber se de fato tem havido a prática de intolerância religiosa dentro da maior emissora do país.

"Apesar do diretor de programação da Rede Globo apontar que o Brasil está se tornando um país multirreligioso, a decisão de engavetar a produção de uma nova versão da famosa novela espírita A Viagem, e de recomendar a não exibição de reprises de novelas com temáticas espíritas na TV aberta, de modo que se evite o desgaste com um específico grupo religioso, nesse caso o evangélico, denota uma violação do Estado Laico e de seus direitos fundamentais, presentes na Constituição Federal de 1988", diz parte do texto da denúncia.

A frente religiosa que recorreu ao Ministério Público ainda apontou que o fato de a Globo operar mediante uma concessão pública, não deveria atender aos interesses religiosos de apenas uma parcela da população, e operar de maneira mais abrangente, para que todos sejam representados.

"Posto que nenhuma instituição que faça uso de autorizações públicas para seu funcionamento, seja ela de natureza pública ou privada, deve fazer distinção de credo ou prática religiosa em qualquer esfera da sociedade civil, principalmente considerando a TV aberta, um espaço democrático de livre acesso a todos, regulamentada por concessões públicas que devem atender aos interesses coletivos, não de grupos religiosos A ou B. A Constituição Federal de 1988 é garantidora da democracia e do espaço de governo para todos e todas", segue o texto.

"Portanto, é proibido que qualquer entidade faça acepção de credos ou agremiação de natureza religiosa em serviços que são regulamentados por concessões públicas, o caso do serviço de televisão por radiodifusão deve ser compartilhado entre a sociedade e o Estado brasileiro, considerando a pluralidade de ideias e de credos religiosos tão diversos e presentes em nosso país. Acabar com a produção e exibição de produtos audiovisuais com temática espírita na TV aberta, em especial na Rede Globo de televisão, com o objetivo de não desagradar um outro grupo religioso que, embora esteja em ascensão e seja em breve a maior parte da população, vai contra o que Carta Magna aponta sobre um Estado Laico, desconsiderando assim a ideia de um regime de liberdades religiosas, as quais detêm o direito de serem retratadas em cadeias de rádio e televisão, especificamente em emissoras de TV que fazem uso de concessões públicas para seu pleno funcionamento, ainda mais sendo na maior TV do país e a de maior abrangência em território nacional, a Rede Globo."

A coluna procurou a Globo no início da semana passada pedindo um posicionamento sobre a denúncia, e na tarde desta segunda-feira (15) a emissora nos enviou a seguinte nota:

"Não há qual qualquer orientação neste sentido, como está publicado na matéria, os Estúdios Globo estão sempre abertos a receber as mais diversas propostas criativas de seus criadores. Vale reiterar ainda que a Globo apoia a liberdade religiosa e considera as diversas religiões professadas no país um patrimônio cultural da nação brasileira".