Um dos filmes mais comentados da atualidade não está nos cinemas. "Meu Eterno Talvez", uma comédia romântica protagonizada por duas estrelas ásio-americanas que chegou à Netflix no dia 31 de maio gerou mais burburinho nas redes sociais do que as estreias do cinema "Rocketman" e "Godzilla: Rei dos Monstros".
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Este não foi um fato isolado e faz parte de um fenômeno robusto e surpreendentemente sustentável promovido pela Netflix em diversas frentes e com a potencialidade de mudar, não apenas o panorama cultural moderno, como os próprios hábitos de consumo do público.
A plataforma de streaming está formando seus próprios astros. Ali Wong , estrela de "Meu Eterno Talvez", é um dos exemplos mais reluzentes dessa realidade. Em 2015 ela era apenas uma comediante que apresentava shows de stand-up em sua cidade natal, São Francisco, na Califórnia. E no último final de semana lançou a própria comédia romântica - além de estrelar, ela também assina o roteiro ea produção - na Netflix.
No meio tempo, estrelou dois especiais de stand-up para a gigante do streaming. "Baby Cobra" (2016) e "Ali Wong: Hard Knock Wife" (2018). Assim como Noah Centineo, revelado no bobinho, mas irresistível "Para Todos os Garotos que Já Amei" (2018), ela também vai furar a bolha da Netflix e fazer cinemão. Está no elenco de "Aves de Rapina" (2020). Centineo será o novo He-Man no cinema.
Mas a questão não é essa. A Netflix não apenas recuperou a comédia romântica enquanto gênero viável, como está competindo de igual para igual com lançamentos muito mais baratos e nichados com os grandes filmes do verão americano. É um feito até certo ponto surpreendente.
"Meu Eterno Talvez" é um charme. Tem uma ponta divertidíssima de Keanu Reeves interpretando ele mesmo e uma consciência invejável de como retratar mulheres no gênero na contemporaneidade, mas é inofensivo. É o que se chamaria nos anos 90 de filme feito para a televisão. O que hoje podemos chamar, dentro do contexto das plataformas de streaming, de filmes de catálogo.
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O que está acontecendo exatamente?
Enquanto os estúdios investem horrores no chamado cinema-espetáculo, a Netflix resolveu comer pelas beiradas. No tocante ao cinema, está produzindo pelo menos três grandes filmes por ano (nos âmbitos de promoção e orçamento), comprando produções com aspirações a prêmios em festivais mundo afora, e investindo nos tais filmes de catálogo com astros resconhecíveis para seu público.
Não à toa Anthony Mackie, astro da segunda temporada de "Altered Carborn" , e que acabou de ser visto em um episódio do quinto ano de "Black Mirror", fechou contrato para estrelar um novo filme original do streaming.
É lógico que é preciso ter (uma senhora) bala na agulha para cobrir todos esses flancos, mas a Netflix se municia inteligentemente para a grande batalha da próxima década na cultura pop, que se dará justamente no streaming.
Até lá, é interessante observar os reflexos desse arregimento no panorama cultural atual. O mais sintomático deles é a empresa como formadora de novos talentos. Algo que, paradoxalmente, eram os grandes estúdios de Hollywood que faziam entre os anos 30 e 60.