De um lado, uma pedra angular do rap brasileiro, sucesso de banda e carreira solo e inspiração para tantos outros artistas do gênero. Do outro, uma estrela ascendente que já conquistou espaço no Brasil e agora aponta para o exterior. Marcelo Maldonado Peixoto, ou Marcelo D2, e Abebe Bikila, o BK, se juntaram no telhado do prédio do GLOBO, no Centro do Rio, para gravar suas participações no projeto Toca no Telhado. 

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Marcelo D2
Reprodução/Instagram
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O dia ameaçava chuva desde o primeiro minuto e a luz ia embora rapidamente, comprometendo a gravação. Sem ensaio, os artistas improvisaram uma fusão de duas músicas, Febre do Rato (do disco "Amar é para os fortes", o mais recente de Marcelo D2 ) e Titãs (do álbum "Gigantes", de BK), embaladas pela batida de El Lif Beatz, beatmaker e produtor do selo e gravadora Pirâmide Perdida, do qual BK também faz parte.

Neste sábado (8), os dois subirão juntos no palco do Km de Vantagens Hall, na Barra da Tijuca, misturando músicas recém lançadas com os sucessos de sempre. Pioneiro na mixagem do rap com rock, com reggae e com samba, D2 está de volta na praça com o décimo álbum de estúdio na carreira, uma ópera-rap audiovisual em que não só todas as canções tem um clipe como o trabalho em si compõe uma narrativa fílmica.

"A minha sina é ser subversivo. Antes era falar sobre maconha e xingar a polícia, agora amar é que é subversão. Então eu to amando. Geralmente escrevo sobre as coisas que estão me angustiando, sobre problemas e brigas. 'Amar é para os fortes' é sobre isso, sobre o quanto a gente tem que procurar um caminho diferente do que é proposto pelo status quo. Tem que mudar isso daí, tá ok?", brinca o cantor, numa referência a um slogan do presidente Jair Bolsonaro.

O nome do disco surgiu em uma conversa com o ator e amigo João Velho, irmão do músico Rafael Mascarenhas, morto em 2010 depois de ser atropelado por um carro em alta velocidade no Túnel Acústico, na Gávea. Naquele dia, a galeria estava fechada para manutenção e a investigação apontou que os motoristas disputavam um racha dentro do túnel. Rafael andava de skate com amigos quando foi atingido. Na conversa, João soltou a frase "amar é para os fortes" em sinal de resiliência, sem saber que estava batizando o próximo disco do rapper.

Marcelo D2
Reprodução/Instagram
Marcelo D2


Ao lado, BK vem de uma maré de sucesso inicial impressionante. Depois do lançamento de seu primeiro disco, 'Castelos & Ruínas', que conquistou a crítica e recebeu várias premiações, ele se apresentou no Lollapalooza 2019 e agora mira em uma turnê internacional.

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"Hoje não dá mais para ignorar o rap nacional. Se tornou uma parte da cultura brasileira, já podemos chamar de música nossa. A galera sem gravadora, sem nada, já está lotando as casas. Não dá mais pra fingir que isso não existe".

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Sobre os desafios do rap em meio às crises morais do Brasil de hoje, os dois músicos concordam que a forma de versar não mudou em relação ao que se fazia há 25 anos atrás, quando D2 começou com o Planet Hemp . Se a revolução digital colocou o público em caixas, cada vez mais restritos às suas bolhas virtuais, os problemas da rua continuam sendo os mesmos: a violência está descontrolada, o racismo e a intolerância política também. Para D2, o rap continua falando sobre o que vê no dia a dia, e é necessário que se toque no assunto com coragem, como fez o Planet ao falar de legalização das drogas em 'Usuário' (1995), álbum de estreia da banda e tido até hoje como um pé na porta do proibicionismo.

"Tem uma coisa que eu considero uma certa evolução em relação à época que comecei. A gente falava muito dos problemas sociais, essa era a base do rap brasileiro. Hoje em dia usamos as experiências pessoais, as angústias e dores, os medos. Tem um leque maior de assunto, e tem mais gente fazendo rap".

O último trabalho de BK, 'Gigantes', trouxe 13 faixas sobre ascensão, racismo, pobreza e o cenário do hip hop brasileiro. O álbum conta com participações de luxo no cenário musical, com músicas inéditas de KL Jay (Racionais MC's), Drik Barbosa, Luccas Carlos, Baco Exu do Blues e outros, além do próprio D2.

"Apesar do tempo ter passado, essas coisas ainda estão aí. O mundo mudou, mas os problemas não. E a gente continua contando as nossas histórias, batendo de frente com o sistema", diz.

Como todos os rappers brasileiros, há um pouco de D2 em BK. Cantando lado a lado, os dois fluem naturalmente, como ficou provado na versão rapidamente produzida para o Toca no Telhado. SegundoMarcelo, a força criativa das novas gerações da música, um sucesso comprovado frente a tantos novos nomes despontando nos últimos anos, contribuem para que o rap brasileiro continue crescendo no cenário mundial, sempre mantendo suas raízes. Assim como em 1995, quem rima no Brasil de 2019 ainda aponta o dedo para as injustiças e busca superação às mazelas enfrentadas pelo subúrbio, pelo pobre e pelo negro, numa embalagem cada vez mais brilhante.

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"No Planet Hemp a gente primava muito por uma estética do rap como arte. Essa foi a grande diferença, o discurso do Planet era forte, mas tinha toda uma coisa em volta. O BK acrescenta isso, além das rimas tem uma batida com referência, os clipes, tudo isso é relevante. Hoje em dia a gente se vê muito na música, e eu me vejo muito nele", pontuou Marcelo D2 .

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