Na vibrante cena cultural brasileira, o teatro tem se consolidado como um espaço de resistência e transformação social. Entre os espetáculos que marcam esse movimento, a adaptação teatral de Pequeno Manual Antirracista , de Djamila Ribeiro, protagonizada por Luana Xavier , emerge como uma obra potente e necessária.
Sob a direção de Aldri Anunciação, o monólogo ganha vida na pele da atriz e ativista, que une arte e militância em um único ato, desafiando o público a confrontar o racismo estrutural. Em entrevista ao IG Gente , ela falou sobre o assunto.
Um convite inesperado e especial
A trajetória de Luana com Pequeno Manual Antirracista começou de forma curiosa. Antes mesmo de receber o convite oficial, encontrou Djamila Ribeiro em um aeroporto, no Rio de Janeiro. A escritora revelou estar feliz por vê-la à frente da adaptação teatral de sua obra.
Naquele momento, Luana não sabia do projeto, mas, ao ser formalmente convidada, aceitou sem hesitar: "Quando soube que era baseado no livro e que seria dirigido pelo Aldri, topei de imediato. Mesmo sem saber que seria um monólogo! Descobrir isso depois foi um susto, porque nunca havia me imaginado sozinha no palco em algo que não fosse stand-up. Mas o desafio me empolgou, porque já era fã do livro e admirava a Djamila profundamente."
Essa conexão entre a atriz e a autora transcende a admiração profissional. Para Luana, Djamila é uma referência essencial na luta antirracista:
"Tive a oportunidade de entrevistá-la ao lado da Conceição Evaristo
. Foi um encontro tão emocionante que terminei chorando. Estar diante dessas mulheres é uma dádiva."
A professora Bell e a visceralidade do racismo
Na adaptação, Luana interpreta a professora Bell, uma educadora que conduz um fórum sobre racismo e se depara com um inesperado confronto de ideias. Para a atriz, dar vida à personagem foi uma experiência transformadora:
"Como ativista, abordar o racismo no palco é algo visceral. É doloroso revisitar experiências pessoais, mas também libertador. Bell é mais destemida que eu. Ela diz coisas que, como Luana, talvez eu não tivesse coragem de dizer. Ela me salva muitas vezes."
A Bahia, terra de forte ancestralidade negra, foi palco dos ensaios e estreia da peça. Para Luana, a energia do estado foi essencial no processo de construção da personagem:
"Chegar em Salvador foi um presente. A Bahia me abraçou com seu axé, afeto e referências culturais. Foi fundamental para encontrar a Bell. As ruas, os rostos, as sextas-feiras de branco, a igreja de Nossa Senhora do Rosário… Tudo isso alimentou minha interpretação."
Além disso, as conversas com professoras negras, após as apresentações, acrescentaram camadas emocionais ao espetáculo:
"Muitas Bell’s vieram me assistir e compartilharam suas vivências. Esses momentos me fizeram chorar, porque percebi como o teatro pode plantar sementes e transformar."
Afrofuturismo, ironia e consciência
A estética do espetáculo une o afrofuturismo à ironia para abordar temas densos como o racismo estrutural. Essa escolha foi estratégica para engajar o público:
"O afrofuturismo nos empodera, desconstruindo estereótipos de subserviência associados ao povo negro. Já a ironia traz leveza, permitindo que o público respire em meio à densidade dos temas."
Essa abordagem inovadora faz da peça um convite à reflexão e ação. A cada apresentação, Luana sente o impacto imediato das palavras:
"O teatro é direto. Você sente a reação do público no momento em que diz algo. Ver as pessoas rindo, chorando ou refletindo já é perceber as sementes do antirracismo germinando."
Legado ancestral como bússola
Para Luana, a ancestralidade é a base de sua atuação e ativismo. Sua avó, a atriz Chica Xavier , é a maior inspiração para o trabalho em Pequeno Manual Antirracista.
"Minha avó sempre foi meu norte. Cresci ouvindo sobre negritude e combate ao racismo nos almoços de domingo, e isso moldou quem sou. A professora Bell também encontra força na memória de sua avó, Matildes. Esse paralelo é muito significativo para mim."
A conexão com a ancestralidade também se manifesta no palco, que Luana compara a um terreiro:
"No teatro, encontro a mesma energia do terreiro. É um lugar de cura, onde os medos e angústias desaparecem. O palco me renova e me conecta com algo maior."
O impacto da obra na luta antirracista
A adaptação de Pequeno Manual Antirracista é pioneira, sendo a primeira obra de Djamila Ribeiro a ganhar os palcos. Para Luana, isso é motivo de orgulho:
"Ser escolhida para esse projeto é como receber um prêmio. Levar a mensagem de Djamila para novos públicos é uma responsabilidade e uma honra."
O espetáculo desafia o público a reconhecer o racismo como uma realidade estrutural. "As pessoas precisam entender que o racismo está em todos os lugares — nas escolas, empresas, famílias. O maior ensinamento da peça é: o racismo está aí. O que você vai fazer a respeito?"
Arte como ferramenta de transformação
Unir arte e ativismo é o ponto alto da experiência para Luana:
"Realizar meu ativismo por meio da arte é o melhor dos mundos. O teatro tem o poder de transformar, de provocar reflexões e ações efetivas."
À medida que a peça segue em cartaz, o monólogo de Luana Xavier reforça a importância da luta por igualdade e respeito. Em um Brasil onde o racismo ainda está profundamente enraizado, o espetáculo surge como uma poderosa ferramenta de conscientização e transformação social, especialmente no mês da Consciência Negra.
Para quem o assiste, o convite é claro: olhar para dentro, reconhecer privilégios e agir. Porque, como a professora Bell ensina, “não basta ser não racista. É preciso ser antirracista.”
Pequeno Manual Antirracista
Onde: Teatro Nair Bello
Quando: de 27 a 29 de novembro
Sessões: Quarta e sexta às 19h e 21h, e na quinta às 19h
** Formei em jornalismo pela UNIMEPem 2019 e atuo na imprensa desde 2021, com pautas principalmente voltadas ao universo feminino. Tenho experiência em jornais diários e revistas, nos formatos impresso, digital e em redes sociais e no IG, escrevo para gente, delas, queer, turismo e pet.