Marcelo Adnet pede desculpas pela bagunça em sua casa. Ele está no meio de uma mudança. Nem roupa limpa tem mais por ali. Recebe a equipe metido num short do Botafogo e, na hora da foto, recorre a um mafuá de tecidos espalhados sobre um banco. Cata na pilha calça e blusa preta, que vira do avesso para disfarçar resquícios da véspera.
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O momento também é de movimento na vida profissional do comediante que, aos 40 anos, faz uma curva na carreira em direção à dramaturgia. As unhas grandes dos pés são prova da dedicação ao novo desafio. Marcam a passagem do tempo em de seu personagem na 3ª temporada da série “A divisão”, do Globoplay (ainda sem data de estreia prevista): um executivo de gravadora, que é sequestrado.
No cinema, Adnet também experimenta papéis de maior profundidade. Estreia em dezembro “Nas ondas da fé”. Na comédia, dirigida por Felipe Joffily e produzida pela Casé Filmes, ele é é Hickson, jovem classe média baixa, que recorre a bicos para sustentar ele e a mulher, a cabeleireira Jéssika (Letícia Lima). Até que surge uma oportunidade de trabalho numa rádio evangélica e ele acaba virando pastor.
- Hickson é um menino muito bom, como a maioria dos jovens brasileiros. Está numa classe média baixa, perto da pobreza e vai topar tudo para sobreviver, botar uma máscara social qualquer para ter uma profissão, uma vida, um sustento. A gente é moldado por uma sociedade tão desigual e pressionada que é capaz de fazer coisas horríveis para cumprir nosso papel social - analisa Adnet.
O longa critica a exploração da fé pelo dinheiro e termina com o protagonista sendo convidado a entrar para a política. Tema com o qual Adnet tem intimidade. No podcast “Interrompemos nossa programação”, do GLOBO, ele prova que não está ao lado de Malu Gaspar e Bernando Mello Franco apenas para fazer graça. Conhece bem a história da política brasileira.
Nesta entrevista, o ator conta que o interesse pelo assunto surgiu aos 7 anos. Também revela as razões que o levaram a processar políticos, diz que a paternidade o transformou e afirma que falar sobre o abuso sexual sofrido na infância o ajudou a expurgar o trauma.
O que tem sido mais difícil nessa sua virada de chave da comédia para a dramaturgia?
Não diria virada de chave, acho que é mais expansão de horizonte. O desafio é que, na comédia, entro em cena sabendo onde vou chegar, com controle da situação. Dificuldades e percalços até a conclusão da piada são planejados, vivo as emoções de maneira farsesca. Na dramaturgia, tenho que estar com a alma e os sentidos abertos, me deixar afetar. O grande barato é a falta de controle.
A gente demora um tempo para entender que, ao contrário da comédia, em que o exagero cabe, na dramaturgia você tem que limpar. E a cena vai até onde vai a sua emoção. Tem vezes em que se emociona e diz "que bom". Em outras, a emoção não vem. E você não pode se condenar. A Humanidade é assim: passamos por choques horríveis e, às vezes, não choramos.
"Nas ondas da fé" conta com participações de Tonico Pereira, Otávio Müller, Cristina Pereira e muitos outros. Quis homenagear quem veio antes?
É meu primeiro projeto, no sentido de ser um argumento meu, ideia minha. Então, tinha isso de querer ter pessoas importantes para mim, meus companheiros de "Zé" (o espetáculo "Zenas improvisadas")... Tem a coisa afetiva, mas também a ideia de não ser apenas uma comédia, mas uma comédia em cima de uma narrativa. A maioria do elenco é de pessoas de humor que não necessariamente estão fazendo papéis engraçados.
Tem esse resgate de dizer "o humor não é arte marginal, também conseguimos fazer outra coisa". Porque o humor é enxergado como algo menor e há essa tentativa de mostrar que ele pode estar presente nos mais diversos produtos, inclusive, nos de dramaturgia.
O filme traz uma crítica da exploração da fé pelo dinheiro, mas acolhe a religiosidade...
É uma crítica aos maus religiosos, mas não à religião em si, nem à fé. A vida coloca Hickson numa situação que ele abraça como todos nós abraçaríamos. A maioria de nós toparia qualquer coisa para ter uma vida melhor. Acho que nesse clima tão belicoso no país, de evangélico versus resto, pode-se, sim, criticar líderes e lideranças e as coisas horríveis que eles fazem no palco para enganar as pessoas.
Infelizmente, nessa guerra em que a gente se meteu, vemos o evangélico como um demônio, como alguém facilmente manipulável. E aí vai acontecendo uma cisão cada vez maior. Acho que o ataque deve ser às más lideranças, aos homens corruptos e não à fé.
Com religião se brinca?
Acho que temos que falar sobre um assunto tão presente na nossa sociedade, algo vivo em nossas relações. Às vezes, tem uma galera mais moderna e rica que olha evangélicos como se fosse num zoológico.
Temos que achar um jeito de falar sobre o que não é fácil, assuntos tabus. Acho bom o filme caminhar numa fronteira, num lugar sensível. Porque arte e ficção também são para isso: visitar lugares espinhosos.
Isso pode ver isso com "ah, ele vai atacar, desrespeitar, zoar Jesus". As pessoas ficam na defensiva. Mas a crítica que o filme faz é aos homens e não à dimensão divina da coisa. Os homens é que fazem uso da liturgia de uma religião para conquistar coisa mundanas.
Que tipo de piada aprendeu a não fazer mais hoje?
Acho que o humor dialoga com os valores do comediante. Na dramaturgia, tem roteirista, preparador de elenco e diretor que coloca a marcação do personagem, cenário, texto, intenções. Na comédia, o comediante é que decide por onde vai andar, que cacos botar, onde exagerar.
Sigo o meu bom senso, tento tirar sarro de quem merece. Sacanear um mendigo? Pô, o cara já está mal, dormindo a rua. Alguém que tem uma doença ou algo de nascença, tipo cor de pele, característica física? Não. Já devo ter feito piada com gordo, gay, porque é algo incrustado na gente.
Nasci em 1981, o que aprendi de de barbaridade na década de 1980, 1990... A gente é ensinado a ser escroto pela sociedade. E isso fica. Estou um pouco mais velho e penso mais. Mas não tenho pretensão de ditar regras.
Piada tem poder, toca num lugar onde ciência e jornalismo não tocam. A comédia é direta e vai num lugar visceral, no riso, arma poderosa. É bom ter bom humor e conviver com as críticas. Quem aceita a piada se dá bem. É quando o (João) Doria fala: "Aqui é o calcinha apertada". Ou quando a torcida do Botafogo se define como "cachorrada" e a do Flamengo, como "favela".
A piada é tão poderosa que quando você pega, embala, põe debaixo do braço e chuta de volta é quase como jogar uma granada para quem lançou.
Você percebe mudança de comportamento também nas relações de trabalho no meio do humor, com casos de assédio pipocando por aí?
Com certeza. E isso também é um reflexo da tecnologia. Nos anos 1990/2000, como uma pessoa abusada iria conseguir botar a boca no trombone? Havia a certeza da impunidade. Hoje, um relato de alguém na internet pode ganhar o Brasil e acabar com a pessoa. É o famoso que maltratou o Uber sendo julgado pelo país inteiro...
Não é que as pessoas ficaram boazinhas ou recobraram a consciência. É que o medo de ser descoberto e a punição vieram. Isso é recorrente. Tanto com João de Deus, (Roger) Abdelmassih... A vítima tem muito medo e a publicidade dada às denúncias é positiva, empodera. Ter voz é muito poderoso, move muita coisa.
Que motivos temos para rir o Brasil de hoje?
Vejo o riso também como uma expressão de algo que a gente não consegue entender, processar o sentido e fala "caraca, que surreal". Tanto que rimos de algo que pode ser triste. Ele é uma reação a algo fora do script. Pode ser uma fantasia ou algo real, palpável. E a gente está nesse momento de muitas incompreensões. É um mundo que nos deu muitas respostas no Google, mas nos encheu de várias outras questões. Uma sociedade quase distópica. Há coisas muito loucas acontecendo, e o riso fica cada vez mais comum nesse caso, porque a gente vai compreendendo cada vez menos.
Vamos brincando cada vez mais com nossas desgraças. Ficando velho em frente a um tik tok, vendo coisas de rede social que não entendemos e achamos engraçado. Pessoas fazendo loucuras em frente à câmera, dançando no meio do caos. E o riso é sobre essa incompreensão, esse "meu Deus, o que está havendo?".
Nosso tempo passou. O jovem ganhou muito. Antigamente, o jovem ouvia o que o papai botava para ele ouvir. Hoje, são mil coisas que a gente não faz ideia. Os mais jovens ganharam com o celular e são uma classe consumidora enorme. Isso mudou todas as relações. Estamos vivendo sob esse signo da tecnologia popularizada, democratizada, que leva a mil novidades e coisas, golpes diversos, memes, novas personalidades digitais. Mas também tem o riso como catarse coletiva...
O riso faz parte da Humanidade. Rir é quase uma necessidade fisiológica, como o sono e a fome. Você até pode sobreviver sem rir, mas vai murchando, secando. O dia em que não se dá pelo menos uma risada é esquisito.
Pessoas como Jô Soares e Chico Anysio, grupos como "TV Pirata", que tinham esse lugar da comédia como função crítica, são importantes pra caramba. Hoje, o humor vive um momento de crise, que é meio "o humor morreu, não tem mais espaço". As redes sociais mostram figuras engraçadas pelo Brasil inteiro, em suas casas, o humor involuntário. A dramaturgia não consegue acompanhar.
Como a gente vai produzir, gastar para fingir que é aquela pessoa que existe de verdade? Aquilo é a vida dela, não precisa fingir. Nós do lado de cá temos que fazer cenário, imitar sotaque. Humor precisa de muito pouco, é uma pessoa e uma câmera.
Estamos num lugar de transição. O humor precisa se reinventar para reconquistar seu lugar. Precisamos ter algo mais de guerrilha, disruptivo para concorrer de novo com os personagens reais que pipocam na tela o tempo todo.
No podcast "Interrompemos a nossa programação", você mostra, mais uma vez, que entende bastante de política. Como nasceu seu interesse pelo assunto? Teve uma educação politizada?
Era uma casa politizada, mas o mais interessante é que meu pai fazia jingle de política. Minha relação não era técnica, mas emotiva. Eu torcia para ele ganhar. Lembro de a gente reformar a pia da cozinha com o dinheiro que ele ganhou por um jingle.
Em 1989 teve aquele comício do Lula, na Cinelândia, pedi para minha mãe me levar. Eu tinha 7 anos e era (Mario) Covas, sei lá porque inventei isso. Achava um velhinho simpático, fofinho no meio daqueles políticos estressados como Maluf, Brizola, Lula, Collor. Minha mãe me levou numa passeata dele, que quando desceu do palco, me deu um beijo na cabeça e eu fiquei todo feliz.
Mas meu pai e minha mãe eram Lula e me levaram no comício dele no segundo turno. Teve uma chuva de papel cortado em forma de estrela, aquilo foi impressionante, me marcou. Lembro das pessoas indo para a janela gritar. Era tipo Copa do Mundo.
Teve o confisco do Collor, o impeachment, Itamar, FHC, Plano Real, Lula paz e amor. É um cenário tão conturbado e rico em tantos aspectos. Discursos, músicas, marketing. Fiquei fascinado por esse mundo. Tinha 7 anos na primeira eleição democrática depois de décadas de ditadura. Uma eleição com personagens tão caricatos...
Eu imitava o Nelson Merru na escola, com um espanador da mão, dizendo "chega de mamata". Acompanhava o horário eleitoral como sefosse o Casseta & Planeta. Era engraçadíssimo, decadente.
Acho que minha função no podcast é trazer a dimensão comportamental daquela notícia, mostrar como a gente está vendo aquilo, uma visão menos formal da coisa. A política conquistou um lugar nos nossos corações, as pessoas estão engajadas, inflamadas, torcem, consomem, querem rir, sacanear, criticar.
A questão religiosa virou a questão da campanha eleitoral e seu filme termina com o protagonista, um pastor, sendo convidado a entrar na política...
Jesus tão sofrido na cruz, quase se jogando sobre as instituições... Uma imagem tão forte e sofrida... E aí a religião vira uma máscara. Isso de instrumentalizar a fé, de ela virar uma commodity é muito preocupante. Se algum candidato falar "não acredito em Deus", perde a eleição. A gente virou refém de uma moral religiosa.
Antigamente, havia propostas. Agora, virou um moralismo comportamental. "Aquele ali é a favor de drogas". Nossa política ficou dominada por contra-pautas: Cristo, gay e maconha, três coisas que não têm nada a ver com questões centrais para a nossa política. Não se fala em geração de emprego, de obras públicas, planos de governo, só de moral. Nenhum governo vai entrar na sua casa para fiscalizar com quem você está transando. Os políticos conseguiram criar uma pauta virtual que não é politica.
Eu acredito na política. Não acho que é bobagem ou antro de filho da puta. Até tem, mas quando colam essa ideia é muito bom para os maus políticos. Política é uma coisa positiva, mas a gente foi sequestrado por pautas muito pobres.
Há alguns anos você deu uma entrevista dizendo que tinha vontade de entrar para a política. Esse desejo persiste?
Não. Porque era uma vontade muito ideal, que não encontrava eco na prática. Hoje, acho que minha contribuição está em outro lugar, embora ache que eu teria vontade e vocação para ter uma vida pública. É algo que acompanho desde muito novo. Mas na prática acho muito perigoso. Estou no Rio de Janeiro, pessoas são metralhadas por causa disso. Não estou a fim.
O grande tesão de estar na política seria defender as ideias e projetos, mas a gente sabe como é custoso. Não pretendo sair batendo de frente com a milícia do Rio. Tenho uma filha pequena, não estou a fim de entrar em conflito com bandido porque só eu tenho a perder. Acho pouco inteligente bater boca com quem tem arsenal.
Nesse campo da contribuição pessoal, você tem engajamento com alguma pauta, alguma bandeira, relação com ONGs?
Tenho uma grande conexão no Rio. A gente que é elite é levado a um lugar de isolamento total, de muro, condomínio e perde a comunicação com o mundo externo. O Rio é um lugar de grandes abismos sociais, mas, para mim, a grande elite da cidade não é a rica, que vive num Rio restrito. O que faz o Rio famoso, não está no eixo Leblon, Ipanema, Barra.
Vivo o samba, por exemplo, frequento quadras das escolas de samba no subúrbio (ele está concorrendo com sambas em quatro escolas cariocas e uma em São Paulo, onde acaba de conquistar o bicampeonato ao ter sua composição escolhida pela Dragões da Real), principalmente, na Zona Norte, Baixada. Tem uma coisa ali que não tem aqui. O samba, o candomblé, a alma de Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Elza Soares, Monarco, Dona Ivone Lara... Tudo isso mora lá e não aqui.
As pessoas com portão aberto no jardim de casa, vendendo cerveja sentado numa cadeira de praia na calçada, de camisetão aberto, cordão de São Jorge, tomando uma lata de Brahma... Isso só tem lá. Grande figuras de composição, gênios da arte, da música. Ninguém faz poesia com "e no Satyricon, no alto Leblon/ fui comer no Antiquárius/ meu carro blindado...". A poesia é "Madureiraaaa".
Graças ao samba fui levado para a Zona Norte e vou "de com força". Vou defender nosso samba na Viradouro, em São Gonçalo, bebendo nosso latão. Isso, para mim, é um tesão, tão livre. Agora em "A divisão", pude frequentar o Borel, um lugar que, provavelmente, não poderia estar nessa cidade partida.
Tudo isso te conecta com um Rio que não era para ser seu, não era para você ter acesso, era para ter medo dele. O que mais me interessa é essa conexão, é não perder o Brasil, o fio que conecta a gente ainda existe. A galera da Zona Norte não vem aqui. É expulsa pelo preço, pela distância ou por um olhar preconceituoso. Já o contrário é possível. Existe um lugar onde é possível derrubar esse muro e eu vivo um pouquinho disso na minha vida. Claro que com todo privilégio que tenho para estar nesses lugares, com aval das pessoas, sem ser um intruso.
Ajudo o Coletivo Fala Akari. Outro dia, minha filha fez aniversário, pedi doações e fui levar lá. Estou sempre estou junto do Voz das Comunidades, do Rene Silva, do Alemão. Ele e sua turma me inspiram muito. Gosto de estar lá. Por mais que haja muita pobreza no nível miséria, há muita paixão, carinho, aquela coisa que a periferia tem. A festa do pobre é muito mais legal que a festa do rico. Um feijoada na laje com o pagode comendo. A festa do rico é silenciosa, careta, chata. A alma elegante é a pobre, a rica é cafona.
Você falou da sua filha... Que transformações a chegada da Alice provocou na sua vida? Você faz tudo mesmo ou é pai de Instagram?
Faço tudo. Não sou pai de Instagram. Aliás, ali, sou menos pai. Acho mais interessante fazer do que mostrar. Principalmente por ela, que já está rechaçando foto. Também não vou ficar metendo a cara dela por aí. Vai que alguém fala "que feia, vesga, gorda", vou querer matar a pessoa (risos).
O amor transforma completamente. É a primeira vez na vida que tenho uma coisa inadiável. Se tiver passando mal e ela chorar, vou ter que ir, não tenho escolha. Se fizer cocô, vou ter que limpar. Quando ela acaba o café, me sinto satisfeito e depois me toco que eu não comi. Botei outro ser humano na minha frente de verdade.
Nos primeiros meses, a gente não quis babá e quase morrermos. Não conseguia produzir, trabalhar. Aguentamos uns seis meses. Mas não temos ninguém que dorme aqui, nem babá no fim de semana.
Ela está com um ano e nove meses, me abraça, me puxa para jogar bola pede para eu cantar "ia ia ô" antes de dormir. Isso derrete meu coração. Antes de ela chegar eu tinha alguns planos para a vida. Agora, tenho outros.
Quais?
Meu maior plano é ser amigo dela. E tem uma coisa legal que é o fato de ela ser mulher. Tem aquilo de o homem querer ser pai de menino. Para mim, era tanto faz. Agora, digo "que bom que foi uma menina". Porque hoje você tem a preocupação em criar menino, de dizer "bicho, não vai fazer merda, não pode bater no outro, abusar". Menina é o contrário. Normalmente, está na posição de ser abusada e não de abusar.
Então, tem um carinho com aquele ser. Ser mulher é uma coisa tão especial hoje. Essa paixão de pai, de me relacionar com ela, quase uma extensão de mim. Aquele corpinho que tenho que preservar, cuidar, secar, passar pomada. É uma coisa que te educa de uma forma... Te pega pelas tripas.
E em um desafio de vida novo, que é: Como estar presente, ser um pai dedicado e manter uma vida pessoal e profissional acontecendo? É um novo paradigma de vida. Mas estou apaixonado e não lembro como era a vida sem ela.
Mas não é fácil ser mulher. Como pretende ensiná-la a se defender de possíveis abusos?
É que acho mais fácil brigar pela minha filha do que pedir desculpas por um filho. Brigar positivamente por alguém faz mais sentido do que ter que entrar com culpa, pedir desculpas. Alice é muito brava , só faz o que quer, é forte, grita,, dá escândalo. Não é uma pessoa fácil de folgar. Isso me deixa mais confortável. Sendo amigo dela, aceitando como ela é, acho que, mas se der alguma merda, que vai me falar. E vou estar do lado para ajudar.
Dias atrás, o ator David Junior fez um post revelando que sofreu abuso sexual, o que provocou outros homens a se abrirem. Você passou por essa situação, qual é a importância de falar sobre o assunto?
A gente encoraja outras pessoas e cria uma consciência. Quando ninguém debate, vira um tabu, uma sombra, parece que o assunto não existe. É preciso coragem para falar. Ninguém é obrigado a vir a público. Pode ser doloroso demais. Mas quem tiver força, deve falar por para conscientizar.
Foi por esse motivo que você expôs a sua dor?
Sim. Mas também por um motivo pessoal, que é expurgar algo traumático. Botar para fora faz parte da superação. É quase um ponto final. “Aconteceu isso e posso falar sobre porque não me machuca nem me vitimiza”. É parte da minha história também. Tem uma coisa de indivíduo, de fazer as pazes com aquilo no sentido de “joga pro vento, passou, já era”. Se ficar só guardado dentro da gente, é pior.
Como você lida com a privacidade? Já teve a vida bem invadida...
É uma coisa que assumo ao sair de casa, se não, vou me estressar. Lido bem. Não me incomodo de cometer gafe, de estar mal vestido ou ligeiramente bêbado. São coisas humanas. A gente precisa se permitir, se não enlouquece. Gosto de festa, de samba, de programa ao ar livre. Não vou me privar. Mas tem que ter um certo cuidado, uma noção para entender que não é algo exatamente justo, porque claro a gente deveria ter direito a se soltar e não ser observado por ninguém, mas não é a realidade. Ainda mais na era de celular. Não vou cometer nenhum crime, vai ficar tudo bem.
É um lugar que você conquista também. Se Dona Fernanda Montenegro quiser, ela vai no Cachambeer beber um chope, mas vai tirar 10 fotos, vai ter que passar por certas coisas. É o preço que se paga para ter uma liberdade. Mas não é nada que me enlouqueça ou exerça uma pressão insuportável. É uma realidade.
E eu ainda falo sobre temas sensíveis como política. Isso gera raiva nas pessoas. Talvez eu chegue num lugar cheio e 20% das pessoas me odeiem. Mas a raiva não engaja tanto na rua. Não vão falar "cara te odeio, você é um merda". É algo que você percebe mais nas redes sociais. Na palavra escrita anônima é ódio o tempo todo. Na vida real nem tanto.
O ex-secretário especial da Cultura Mario Frias virou réu por ter te chamando de "criatura imunda". Por que resolveu apresentar uma queixa-crime e qual a importância de levar isso até o fim?
Não foi só por ter me chamado de "criatura imunda". Foi o conjunto da obra. Foram vários xingamentos, "criatura imunda que topa tudo por um punhado de dinheiro". Um amigo meu disse: "Ele está te sacaneando porque você é judeu, é uma ofensa antissemita". Eu não tinha entendido dessa forma, mas é uma coisa que ofendeu outras pessoas também. Se criou um clima belicoso, de tanta pancadaria e agressividade com a sociedade civil.
Eu já tinha passado por muita coisa complicada, deveria ter tomado atitudes e não tomei. Um dia, fui ao Baixo Gávea e disseram que eu tinha pego três mulheres: "Casado, pegou três, vai pedir música no 'Fantástico'"'. Eu não tinha ficado com ninguém de fato, zero. Falei, deixa isso pra lá, é mentira. Só que a coisa explodiu. Aquilo passou, mas hoje penso que deveria ter me defendido, dito: "Bicho, beleza, pode falar, liberdade de expressão é sagrada, mas não pode inventar".
Só que aquilo era a indústria da fofoca, isso agora é uma agressão no campo da política. Teve a Secretaria de Comunicação, um órgão federal, vindo pra cima de mim, um clima de guerra em que o governo federal incita a violência contra a população civil do país por motivo político. Isso é muito errado.
Já recebi ameaça de morte, de agressão. Não dá para normalizar. O cara pode me odiar, pode até me chamar de "criatura imunda", mas não de "criatura imunda, bosta, não aguenta cinco minutos, mercenário".
Foi um jeito de dizer "basta".
A gente vai amadurecendo e pensa: "Não vou mais levar esses desaforos para casa". Todo dia sou xingado. Não tem problema. Mas por uma autoridade, alguém que representa uma cadeira institucional brasileira?
A gente entrou com a ação judicial porque chegou um momento que ficou perigoso. A política ficou perigosa. Falar sobre política, fazer humor sobre política ficou perigosíssimo. São ameaças e difamações... Senti que deveria dar um basta. Teve um jornalista blogueiro bolsonarista, que falou: "O Marcius (Melhem) assediou a (Dani) Calabresa, então, o Adnet é corno. Porque ela queria ver a calabresa dele". Meu Deus! O cara pegou um suposto crime e desvirtuou numa coisa tão grosseira e ofensiva para a vítima, me envolvendo. Não tenho nada a ver com isso, não estava mais casado com a Dani há mais de um ano. Mesmo se estivesse...
O cara arranja um jeito de usar um abuso como piada para me atacar. Uma situação horrível que teria acontecido entre terceiros para me zoar de corno. Não é que fiquei ofendido com isso, achei de uma pobreza, que diz muito sobre ele. Ah, ele não vai falar isso não. Processei e ainda está rolando o processo.
Quando você baixa a guarda, todo mundo começa a bater. É meio dar um limite, uma espécie de chega. Pode me zoar, mas crime, não. Não é porque sou humorista que podem me ameaçar de morte. E também porque essas coisas viram verdade. "Ah, é você que ganha dinheiro da Lei Rouanet? Reclama do Bolsonaro porque ele cortou sua mamata".
Tem que combater para que essas pessoas não vençam. Esses processos entram não numa cruzada moral ou picuinha pessoal, mas num projeto educativo mesmo, de a gente não aceitar certo tipo de prática cada vez mais comum. Se eu ganhar, vou doar para o Voz das Comunidades, fazer com que o Mario Frias, finalmente, faça um investimento bacana na cultura brasileira (risos).
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