A rotina é sempre a mesma. Diariamente, Rosamaria Murtinho e Mauro Mendonça assistem juntos à reprise de "A favorita" (2008), no Vale a Pena Ver de Novo, e ao remake de "Pantanal", na faixa das 21h. Muitas lembranças estão lá na tela da TV, ambos reconhecem: na trama de João Emanuel Carneiro, Mauro interpretou o personagem Gonçalo; na versão original do folhetim escrito por Benedito Ruy Barbosa, originalmente exibido pela Manchete em 1990, Rosamaria deu vida a Zuleica.
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Juntos há mais de seis décadas, os atores — ele, com 91 anos; ela, com 86 — se consideram um "casal light", nas palavras de Rosamaria: os dois não veem problema em dificuldades pequenas do dia a dia e enxergam o passado com alegria, sem lamentos, como a atriz afirma.
— A gente não é velho chato. Isso facilita o convívio. Com a idade, a gente ficou mais fácil, sabe? Não implicamos com as coisas. A gente é light — ressalta Rosamaria. — Claro que, com a idade, olho para trás e vejo que tem coisas de que me arrependo e outras de que me orgulho. Mas fico feliz ao entender que minha vida foi vivida.
E ela deseja mais. Longe da TV desde 2019, quando integrou o elenco da novela "A dona do pedaço", de Walcyr Carrasco, a atriz adoraria retornar aos estúdios para um novo trabalho:
— Estou doida para que me chamem para alguma coisa. Estou com 86 anos e posso fazer perfeitamente papéis de mulheres mais velhas — ela diz. — Tenho o rosto marcado pelo tempo, e isso é um valor. Não entendo por que chamam atrizes mais novas para fazer esse tipo de personagem usando maquiagem.
Maior cena da carreira
Na primeira versão de "Pantanal", Rosamaria Murtinho considera que realizou "a maior cena da carreira". A atriz que deu vida a Zuleica, hoje interpretada pela atriz Aline Borges, recorda que se emocionou durante a sequência em que a personagem dá a notícia ao marido Tenório (originalmente interpretado por Antônio Petrin) sobre a morte do filho Roberto (originalmente interpretado por Eduardo Cardoso).
Na trama original, Roberto é vítima de uma sucuri, que o envolve até quebrar seus ossos. A cena chocou o público, à época. Na atual versão da novela, o personagem morrerá afogado, depois de ser empurrado pelo pistoleiro Solano (Rafael Sieg) num rio.
— Foi a maior cena que tive em minha vida e em toda a minha carreira.
Imagina: a personagem precisa contar para o marido que o filho está morto depois de ser envolvido por uma cobra... Agora vai mudar um pouco, pelo o que vi — conta Rosamaria. — A Zuleica da primeira versão era uma mulher sem grandes conflitos. Acho que a mudança para uma personagem preta traz novas camadas, já que tem a questão do racismo na trama. A Aline Borges, atriz que faz a personagem agora, chegou a me procurar, querendo falar comigo. Estou gostando muito de ver essa história. É uma grande novela, que marcou uma época.
Rosamaria rememora, com animação, os meses em que permaneceu no Pantanal para gravar a novela ("num período em que a gente não tinha celular", reforça). Houve um dia, a artista conta, em que ela se desesperou ao lado dos colegas Ângelo Antonio e Nathalia Timberg, dentro de um monomotor:
— Foi a única vez que sentimos medo. Havia uma nuvem negra enorme, e o avião precisou dar a volta porque estávamos correndo risco — ela lembra. — De dia, tomávamos muitos banhos de rio. Éramos uma turma ali. À noite, ligávamos as lanternas e víamos um monte de olhinhos vermelhos dos jacarés na água. Foi um momento muitíssimo feliz.
'Não tenho nostalgia'
A atriz frisa que não sente qualquer nostalgia ao repassar na memória a própria carreira:
— Não fico sofrendo ao lembrar o que foi bom e o que não volta mais — ela reforça. — Não se trata de nostalgia. Como é a minha história profissional, sinto só alegria ao relembrar meus trabalhos.
Há cerca de dois anos, Rosamaria trata uma depressão, algo que ela desenvolveu durante o confinamento em casa devido à pandemia de Covid-19.
— Eu e Mauro estamos aguentando, sobrevivendo. Se fossem outros tempos, não teria dado essa entrevista. Depressão é coisa muito séria. Só quem já passou por isso sabe o que é. E acho importante falar, porque as pessoas precisam se cuidar. Quem passa por isso precisa sempre de ajuda dos outros. Na vida, a gente só nasce e morre sozinho
— ela assevera. — Mas agora já estou melhor. Tirando as rugas, estou bem e feliz (risos). A única coisa chata da idade é a proximidade da morte. Gosto muito de viver. Acho chatíssimo saber que não estarei aqui no ano 3000. Imagina o que vai acontecer...! Inteligência artificial, será?...
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