Com timing certeiro, "Mexeu com Uma, Mexeu com Todas" avança agenda feminista
"Espero que os homens entendam que não há mais espaço para certa postura violenta e machista", observa a diretora Sandra Werneck ao iG
Não há momento mais receptivo para “Mexeu Com Uma, Mexeu com Todas” do que o que vivemos. Com um volumoso debate em curso na sociedade e na mídia sobre feminismo e violência contra a mulher. A cultura e o comportamento machistas jamais foram tão intensamente problematizados. O filme de Sandra Werneck (“Cazuza – O Tempo Não Para” e “Sonhos Roubados”), portanto, se alinha ao zeitgeist do Brasil.
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“Mexeu Com Uma, Mexeu com Todas” abre com o depoimento de Joanna Maranhão. É uma abertura forte. Ela relata como foi abusada sexualmente na infância por seu instrutor de natação, alguém que tinha não só sua plena confiança, como a de sua família. Ao longo do filme ela discorre sobre os efeitos daquele trauma que ressoa ainda hoje.
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Em entrevista ao iG , a diretora diz que Joanna entrou no filme por intermédio da editora da revista Marie Claire, que havia feito uma matéria com ela. Sandra confessa ter se surpreendido com a articulação de Joanna, a maneira bem elaborada como ela expôs seu drama e se autoanalisou perante a câmera. Aliás, todas as personagens se abriram sem temores. “Havia muito afeto, muita solidariedade”, observa.
Além de Joanna, outras duas presenças ilustres no documentário são Luiza Brunet , que protagonizou um dos casos mais revereberantes de violência doméstica dos últimos meses a ganhar relevo no noticiário, e Maria da Penha Maia Fernandes, que serviu de inspiração e batiza a lei idealizada e aprovada para proteger mulheres de agressões e agressores em seu convívio mais íntimo.
“Contar com a Maria da Penha foi uma sorte minha”, celebra em tom nostálgico a diretora. “A minha fotógrafa veio participar de um debate perto da minha casa e com a presença da Maria da Penha e foi bom porque eu não teria dinheiro para ir à Recife ou onde quer que ela esteja morando agora”, desabafa Sandra.
Seu filme, que integra a programação do festival É Tudo Verdade , foi feio com cronograma e orçamento enxutos. O documentário estreia no canal Curta! em julho. No que depender da cineasta, cujos últimos projetos têm se debruçado sobre o feminino, o filme deve contribuir para o debate em curso no País. “Eu gostaria que o Brasil inteiro visse”, ri. “Que as mulheres tenham coragem e discernimento para denunciar e os homens entendam que não há mais espaço para certa postura violenta e machista”.
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O filme entrecorta os depoimentos de suas personagens. Todas elas, de alguma maneira, vítimas da violência de um homem e vitimadas pelo ranço machista de uma sociedade que ainda não compreendeu de todo o debate que precisa elaborar. Em um dos melhores momentos do documentário, a escritora feminista Clara Averbuck salienta: “Eu não vou ver o mundo virar igualitário. E, para isso acontecer, é preciso mexer na construção da masculinidade, não adianta só o feminismo. Os homens precisam discutir o papel deles nestas questões porque essa masculinidade calcada em violência e dominação precisa ser banida”.
“Mexeu Com Uma, Mexeu Com Todas” é um filme com um ponto de vista muito forte. E é bom que seja assim. Esse cinema ativista calça bem o número do documentário e as personagens, afetadas em diferentes níveis por uma violência às vezes invisível, às vezes intermitente, e por vezes rápida e oca, se deixam flagrar com a generosidade que podemos intuir apenas como feminina.