Com recorde de participantes negros em uma mesma edição, o "BBB 23" não escapa das discussões raciais. Desde o início do programa, participantes pretos vêm comentando a dinâmica do racismo e como eles o percebiam nas pequenas atitudes.
Neste último final de semana, o médico Fred Nicácio comentou em uma roda de conversa que achava que Amanda Meirelles seguia os mesmos passos do participante expulso Antônio Cara de Sapato. O comentário de Nicácio tentava ilustrar que Amanda seria uma sister sem personalidade para escolhas próprias.
Em uma tentativa de defender a participante, a equipe da médica expôs todos os votos dela desde as primeiras semanas. Algo passou despercebido pela equipe, mas não pelos internautas.
Os votos foram: 1. dinâmica em dupla; 2. Domitila; 3. Cezar Black; 4. Fred Nicácio; 5. Fred Nicácio; 6. Domitila; 7. Cezar Black; 8. Marvvila; 9. Gabriel.
A equipe ainda complementa entre parenteses: "Alface estava disponível para ser votado".
Mas o que Domitila, Cezar Black, Fred Nicácio, Marvvila, Gabriel e o poupado Ricardo Alface tem em comum? "O histórico dela é só votar em pretos", observou uma internauta.
O "BBB 23" iniciou a edição com 22 participantes, sendo que 11 deles se declaram pretos. Em 70 dias de reality, todos os votos individuais de Amanda foram direcionados para uma pessoa racializada. Esta temporada também registrou episódios de relacionamento abusivo, importunação sexual e assédio, esses casos envolvendo participantes brancos que nunca foram votados pela médica.
Mesmo com Antonio Cara de Sapato sendo expulso pela produção do programa por ter supostamente forçado um beijo em Dania Mendez, Amanda Meirelles ressaltou o quanto o lutador tinha "um bom coração".
E o que a atitude de Amanda ilustra?
No último mês, a participante Domitila Barros desabafou com outros participantes pretos por sentir dentro da casa as pequenas atitudes que demonstram o mecanismo do racismo estrutural.
"É tão dentro deles que a reação já automaticamente '[me] incomoda'. Não sabem aonde incomoda, não sabem o porquê incomoda, mas incomoda! A Bruna não é acostumada a concorrer com pessoas como eu. [...] Eu realmente incomodo ele (Fred Bruno), porque eu não danço as dancinhas dele, eu não rio das piadas dele e eu estou aqui para concorrer com ele. Eu não estou aqui para entreter ele, não estou aqui para servir a ele", enfatizou a Miss Alemanha.
Para o mestre em psicologia e professor de psicanálise Ronaldo Coelho, as ações repetidas, os padrões comportamentais, ilustram certas percepções enraizadas no ser humano.
"O racismo não tem a ver somente com a injúria ou a ofensa racista explícita. Ele está enraizado nos sentimentos, nas sensações das pessoas, brancas ou não, diante de pessoas não brancas e, no Brasil, isso se intensifica quando falamos das pessoas pretas".
O profissional explica que um desses sentimentos é o de não se sentir a vontade ao lado de pessoas pretas, não se sentir confortável e sentir certo mal-estar. "A pessoa acredita que esse sentimento, tão real e genuíno para ela, não tem a ver com racismo. Assim, ela pode escolher eliminar da casa preferencialmente as pessoas pretas por 'não se sentir a vontade', por 'sentir que não teve conexão', por 'achar a pessoa arrogante ou prepotente demais' e assim por diante", completa.
Ronaldo Coelho aponta que o sentimento de mal-estar em relação às pessoas pretas é uma herança do panorama histórico-social do Brasil, onde essas pessoas deveriam “naturalmente” ocupar um lugar de subserviência em relação às pessoas brancas.
"Deste modo, passa a ser sentido interna e silenciosamente como inadmissível um preto falar comigo como se fosse branco, ocupar ou disputar o lugar comigo como se fosse branco. Esse sentimento passa a ser um julgamento da atitude do outro como arrogante, prepotente ou coisa do gênero", analisa.
Na publicação dos administradores de Amanda Meirelles, internautas do Twitter analisaram o padrão de votos de diversas maneiras, com memes e apontamentos mais afrontosos.
Motivos de votos da Amanda comprovados pela admin dela: pic.twitter.com/WmVGyz7pFx
— Anti Barbaridades (@catimw) March 27, 2023
https://t.co/p5RYKcWrwL pic.twitter.com/5GupcX06No
— Jesus (@YuriMarcal) March 27, 2023
Se pisar no chao vai ter que votar em branco Amanda pic.twitter.com/E2qflShnru https://t.co/Na8XsVGgjW
— Micka Barros Nicacio 🤴🏾🦁🥬⚓ (@mickadaquebrada) March 27, 2023
O perfil do participante repescado Fred Nicácio também comentou na publicação. "Poxa, nenhum branco...". "No BBB a única coisa que impede alguém de ser votado é a imunidade, adm. Cuidado com as insinuações porque calúnia também é crime", respondeu o perfil de Amanda Meirelles.
Em outros comentários, internautas também apontaram uma possível tendência racista no padrão de votos da médica e os fãs de Amanda ameaçaram processar.
"Vamos começar a processar essas pessoas por injúria/difamação? Vamos começar a tirar dinheiro delas", ameaçou citando o perfil da médica.
Mas Amanda pode, de fato, processar esses internautas? Segundo a advogada criminalista Ana Oliveira, todo processo criminal precisa seguir o devido processo legal, isto é, primeiro ele precisa ser registrado perante as autoridades.
"Independente do crime que está sendo imputado à pessoa, todos têm direito a defesa. Tudo que se fala na internet existe uma propagação, positiva e/ou negativa, e dependendo dos resultados, o responsável arcará com isso".
"Sendo os comentários ofensivos a honra de Amanda, como calúnia que lhe imputa um crime, injúria que ofende a dignidade ou decoro, difamação onde é ofensa à sua reputação, ela pode, sim, processar esses internautas", complementa.
E, assim como Amanda poderia analisar judicialmente os comentários que trazem acusações, internautas também têm o direito de se defender. A decisão ficará com o juiz.
"Uma pessoa só pode ser considerada culpada quando não couber mais recursos judiciais. O juiz de primeira instância dá a sentença. Depois as partes podem recorrer ao Tribunal de Justiça, depois, Superior Tribunal de Justiça, até chegar no STF, quando for o caso".
A equipe da participante Amanda Meirelles foi procurada pelo iG Gente para comentar as acusações, mas não respondeu até o momento da publicação da matéria. O texto será atualizado em caso de resposta.