É muito difícil encontrar uma novela que não passe uma mensagem. E não é só o básico “moral da história” mas, por conta de sua popularidade, as novelas podem ser grandes reprodutores de discursos de tolerância, preconceito, abuso de poder, entre outros. Seja em algo como um beijo gay, ou o direito das empregadas domésticas, as mensagens sociais fazem parte do roteiro de uma novela, direta ou indiretamente. A esse tipo de ação, dá-se o nome de merchandising social.

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Divulgação/TV Globo
Em "A Força do Querer", Glória Perez explora tema social pouco debatido em novelas: transexualidade

De acordo com Marcio Schiavo, sócio fundador da Comunicarte, empresa especializada no ofício, existem duas formas de fazer merchandising social : com cenas diretas ou de contexto. As cenas diretas, como o nome já diz, vão direto ao ponto, com diálogos que levam uma mensagem de cunho social.  O trabalho da Comunicarte é monitorar essas inserções, com a ajuda de um software que faz a transcrição de cada cena de cada novela, e identifica as que tem mensagem social. Com isso, Marcio explica, é possível saber, por exemplo, quais novelas retrataram corrupção nos últimos cinco anos, e como isso foi feito.

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O merchandising social pode incluir ações bem mais simples. Marcio cita o exemplo da novela “Velho Chico”. Ao retratar o uso de agrotóxicos nas lavouras, uma cena de contexto é feita para mostrar como se paramentar adequadamente. A novela, inclusive, teve 227 cenas com merchandising social, tanto direta, como de contexto. “As cenas de contexto preparam para uma determinada ação educativa”, explica. 

A empresa trabalha em paralelo com a diretoria de responsabilidade social da Rede Globo, mas Marcio deixa claro que eles não tem nenhuma influência no roteiro. Márcio explica que alguns autores utilizam o merchandising social mais fortemente do que outros, como é o caso de Glória Perez . A autora sempre tende a privilegiar temáticas sociais em suas tramas.

Ações sociais

“Merchandising” é uma palavra fortemente ligada ao marketing, a vender um produto. Esse tipo de trabalho também é feito em novelas, com a exposição de determinadas marcas. Mas, quando se fala em merchandising social, a questão é mais ampla, pois não se trata apenas de “vender” algo, mas sim de implementar uma ação educativa que informe o público.

Quando “ Cheias de Charme ” foi lançada em 2012, tramitavam mudanças nas leis trabalhistas que garantiam direitos às domésticas. E a novela auxiliou na valorização dessas trabalhadoras. “Há uma intencionalidade dos autores de falar de determinadas questões quando elas acontecem”, explica Márcio.

Divulgação/TV Globo
"Cheias de Charme" contou a história de três empregadas domésticas e enalteceu a profissão

Isso não significa que certos temas sejam fáceis de retratar, ou sejam feitos de maneira adequada. Ao falar sobre os mulçumanos em “O Clone”, Glória expõe uma religião sem exatamente debater os desdobramentos dela. Ao tratar de um “amor impossível”, acaba se utilizando de apropriação cultural, já criando uma visão pré-determinada sobre tal cultura.

Isso não significa que a autora não quebre barreiras ao retratar temas que têm menos espaço em folhetins, como o transplante de órgãos, a dependência química, esquizofrenia e tráfico de pessoas.

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Agora, ela trata de um tema que até hoje teve pouco (ou nenhum) espaço em folhetins: transexualidade. Por meio da personagem Ivana  (Carol Duarte) em “ A Força do Querer ”, a autora está explorando a história de uma pessoa que não se identifica com o corpo no qual nasceu.

A presidente da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), Keila Simpson, vê o arco da novela como algo positivo, mas com ressalvas: “nós temos uma posição muito definida sobre a questão de personagens trans nas telenovelas. A gente reivindica sempre que essas interpretações possam cada vez mais ser feitas por pessoas próprias trans”, comenta. Existem muitos atores e atrizes que estão aptos a preencher essa vaga. “Temos essa visão de que as personagens dentro dessas tramas devem, na medida do possível, ser pessoas trans. Para nós (essa presença) ainda é muito incipiente”, complementa.

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Reprodução/Globo

Ivana é interpretada pela atriz Carol Duarte

Isso não significa que a novela não possa ampliar o debate. Keila comenta que, entre os associados da ANTRA que assistem a novela, existem os que se incomodam com a maneira patológica como o tema está sendo tratado, enquanto a instituição batalha justamente para tirar esse estigma, retratando os transexuais como são: pessoas que não se identificam com o gênero em que nasceram.

Mesmo assim, Keila pondera que a novela tem seus méritos.  “A novela faz essa personagem entrar em diferentes casas. Então eu acho que por aí é valido, no ponto de vista que todas as famílias do Brasil que assistem novelas conseguem absorver um pouco das dificuldades e dos contratempos que fazem parte da identidade trans”, completa.

“Tomara que (as pessoas) consigam perceber que a questão da vivência, da identificação, não é uma coisa que você escolhe fazer. É inerente da pessoa. Eu acho que dessa forma a novela traz um componente muito interessante, que é ampliar e abrir o debate que ainda não está aberto”, continua Keila. Ela conclui dizendo que o debate é sério e importante. “Que bom que a novela das 21h esta fazendo. Tomara que o debate continue na mídia”, conclui.

Como abordar temas sociais

O uso dessas ferramentas, como frisa Márcio, deve ser utilizada livremente pelo autor. Sendo assim, é ele que vai decidir de que maneira determinado diálogo vai ser conduzido, em que sentido certas tramas vão correr e como os temas sociais serão desenvolvidos. Em alguns casos fazer isso é mais complicado como, por exemplo, em uma trama dentro de um contexto histórico. “O Rico e Lázaro”, no ar na Record , passa-se na Babilônia antiga, cerca de 600 anos a.C.

A autora, Paula Richard , comenta que nesse caso ela tenta tomar o mínimo de liberdade poética possível, mas mesmo assim vê muitas oportunidades de incluir merchandising social. Historicamente mal tratadas pela sociedade, as mulheres são refletidas na novela como eram no período: submissas aos maridos. Isso não significa que as personagens não possam ser fortes. “As mulheres tem opinião importante na trama, mas às vezes esbarram com homens, falam absurdos, são muito machistas. E isso cria uma reflexão: 600 a.C já enfrentavam isso (machismo) e continuam enfrentando até hoje”, comentou a autora.

Paula Richard com os protagonistas de
Divulgação/Record
Paula Richard com os protagonistas de "O Rico e Lázaro": Dudu Azevedo, Milena Toscano e Igor Rikli

Paula conta que essas questões sociais são inerentes a história, quando está trabalhando nos dramas que pode apresentar no folhetim. Em “ O Rico e Lázaro ” várias personagens propiciam debates sociais, como Naomi (Karen Marinho) que desenvolve síndrome do pânico, Raquel (Paula Jubé) que desenvolve bulimia por conta da pressão por manter as aparências, e Shag-Shag (Cássia Linhares) que, em depressão, acaba encontrando no álcool sua válvula de escape. Como explica Raquel, todas essas personagens e seus conflitos, mesmo que num período tão distante, conseguem oferecer semelhanças com o presente, inspirando outras mulheres a se fortalecerem.

Paula, como autora, diz se emocionar ao contar a história dessas personagens e fica feliz quando alguém consegue se reconhecer. “Folhetim é a história da superação”, comenta. Se o público criar empatia com essa história e refleti-la em sua própria superação, a missão foi cumprida e o merchandising social teve efeito.

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