A conversa sobre política e resistência continuou nesta sexta-feira (12) na Flip que homenageia Euclides da Cunha e recorda a luta dos sertanejos de Canudos contra as forças repressivas do governo republicano. Teve comparação entre sertanejos e caiçaras e discussões sobre quem são, hoje, aqueles que a República mantém excluídos.

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Flip aborda
Divulgação/Flip
Flip aborda "Os Sertões" no seu terceiro dia


De manhã, a mesa “Cumbe” juntou o quadrinista Marcelo D’Salete e a Marcela Cananéa, ativista do Fórum de Comunidades Tradicionais Angra/Paraty/Ubatuda, que luta pela preservação das culturas indígena, quilombola e caiçara na região.

D’Salete é autor das graphic novels “Angola Janga”, sobre o Quilombo de Palmares , e “Cumbe”, que reúne histórias de resistência à escravidão colonial. Marcela e D’Salete traçaram paralelos entre a luta dos canudenses com as rebeliões de escravizados e a resistência das comunidades tradicionais hoje.

"O que liga a experiência das comunidades tradicionais hoje com os quilombos é a tentativa de lidar com a terra e com o trabalho de um modo próprio, criado por elas", disse D’Salete. "Políticas que eram excluir essa diversidade (de conhecimentos)  é de uma ignorância atroz, que só beneficia quem sempre esteve no poder. É não compreender a nossa história e o conhecimento produtivo dessas comunidades."

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Marcela lembrou “ Os sertões ” e citou semelhanças entre a cultura dos canudenses e dos caiçaras de Paraty. "Eu achei interessante como o Euclides conta que os sertanejos colocavam pedrinhas de sal para saber se ia chover. Se no dia seguinte a pedrinha tinha derretido era porque ia chover. As comunidades tradicionais também têm esse conhecimento de saber quando a chuva vai chegar, quando o tempo vai virar", disse.

"Euclides fala que o sertanejo era mestiço e forte e por três vezes venceu o exército. Aqui também tem mestiços fortes de várias culturas que se conectam. É interessante trazer 'Os sertões' para o nosso litoral, porque é a mesma luta, a mesma resistência."

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Conflitos políticos no mundo

Ao meio-dia, a nigeriana Ayòbámi Adébáyò e a israelense Ayelet Gundar-Goshen se encontraram na mesa “Angico”. Ayòbámi é autora de “Fique comigo” (HaperCollins), que narra a história de um casamento e tem, como pano de fundo, as turbulências políticas da Nigéria dos anos 1980. Ayelet publicou “Uma noite, Markovitch” (Todavia), que mistura realismo fantástico aos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial e da fundação do Estado de Israel.

As autoras se estenderam um pouco sobre os conflitos políticos que seus países atravessam. Ayelet, que é psicóloga, disse que é importante que a literatura questione as narrativa nacionalistas. Ela cresceu ouvido histórias sobre os primeiros anos de Israel e gostava de pensar em como viviam as pessoas comuns naquele tempo, preocupadas mais com suas vidas do que com a história.

"Quando eu era criança, ouvia histórias quase mitológicas sobre a fundação de Israel, mas percebi que alguns fatos não se encaixavam", contou. "O que fazemos com os fatos que não se encaixam? A gente se livra deles para que a narrativa continue funcionando?"

Ayelet afirmou ainda que é função da literatura — e também de jornalistas e psicólogos — fazer perguntas incômodas, sobre aqueles assuntos que ninguém quer falar.

Exlusão durante o regime republicano

Depois, do almoço, na mesa “Tróia de Taipa”, o historiador José Murilo de Carvalho deu uma aula sobre Euclides, que ele definiu como um gauche, e sobre o papel dos militares da República brasileira. Carvalho publicou recentemente o livro “Jovita Alves Feitosa: voluntária da pátria, voluntária da morte”, sobre uma jovem piauiense que se disfarçou de homem para lutar na Guerra do Paraguai, e uma nova edição, expandida, de “Forças armadas e política no Brasil” (Todavia).

Carvalho, que é um estudioso dos primórdios da República, lembrou o pecado original do regime republicano brasileiro: excluir o povo. Por causa dessa exclusão, diz ele, logo vieram reações messiânicas, como Canudos. Segundo o historiador, nossa República continuou insistindo no pecado e o grande desafio do Brasil do futuro é incluir o povo eleitoral e socialmente.

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"Eu fico pensando como o Brasil de 2050 vai incorporar o povo. Como vamos incorporar os 13 milhões de desempregados, os milhões de subempregados e os que não são mais empregáveis por conta do avanço da tecnologia crescendo 1% ao ano?", questionou. "O que é Canudos hoje? Canudos são esses milhões que nunca foram incorporados e ainda são tratados com canhão."

O historiador também falou na Flip sobre o papel dos militares como “tutores” da República. Por desempenharem esse papel, os militares, ao longo da história brasileira, derrubaram governos e entregaram a seus aliados civis. A não ser e 1964, quando deram o golpe e continuaram no poder. Carvalho perguntou como a República brasileira pode se livrar da tutela militar. E ele mesmo respondeu: "Criando um sistema representativos que não gere crises constantes".

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