A revolução pode não ser televisionada, mas os ideais que eclodiram no ano de 1968 com certeza chegaram à frente das câmeras. O ano foi marcado por diversas manifestações ao redor do mundo que inspiraram cineastas, roteiristas e toda a sétima arte. Na França , o Maio de 68 em especial foi precursor de um movimento no cinema que também se tornou histórico.

Godard em 1963, antecedente ao Maio de 68, nos bastidores de um de seus filmes da Nouvelle Vague,
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Godard em 1963, antecedente ao Maio de 68, nos bastidores de um de seus filmes da Nouvelle Vague, "O Desprezo"

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O cineasta francês Jean-Luc Godard, por exemplo, foi um dos que se sentiram motivados com as manifestações políticas de Maio de 68 para a produção cinematográfica. Em 1967, em eminência de explodir a efervescência no país, a obra “A Chinesa” é lançado. A trama conta a história de um grupo de jovens que passam suas férias em um apartamento debatendo política e não hesitam em utilizar ações terroristas para colocarem as suas ideias em prática.

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O trabalho do cineasta se integrava ao que foi chamado, uma década antes, de “Nouvelle Vague”, ou Nova Onda, em francês. A principal característica desses filmes era a vontade comum de transgredir as regras da sétima arte comuns no circuito comercial. Amor livre e crises existenciais eram temas recorrentes que eram abordados nas obras daquela época trazendo muito amoralismo e personagens espontâneos rompendo com convenções sociais.

O lançamento de Godard em 1967 era apenas um dos chamados que o diretor faria para jogar o seu olhar para aquele contexto em que os franceses viviam. Inspirado pelas manifestações que vieram calhar mais tarde, o diretor uniu-se a outros nomes da época no grupo de cinema Dziga Vervot, nome dado em homenagem a um cineasta russo de vanguarda.

Com caráter revolucionário, entre uma das primeiras produções, estava “Pravda”, de Jean-Luc Godard, Jean-Henri Roger e Paul Burron. O longa foi rodado clandestinamente na Tchecoslováquia entre março e abril de 1969, logo após as manifestações da Primavera de Praga. Nele, os cineastas criticam a prática documental além de trazer à tona os propósitos do cineasta a quem o grupo homenageava.

As ideias revolucionárias também atingiram outros países da Europa, como em “Partner” do italiano Bernardo Bertolucci. Na trama, um jovem estudante tem grandes ideias, mas tem sua existência solitária abalada quando surge seu duplo, que desafia-o a ter um maior comprometimento político.

A década de 1970, por sua vez, também trouxe muitas obras que abordavam o momento histórico mundial, como “A Sociedade do Espetáculo” (1974) de Guy Debord ou “O Diabo, Provavelmente” (1977), de Robert Bresson. Entretanto, a temática não ficou esquecida com a virada do século e um dos grandes símbolos do Maio de 68 foi lançado no ano de 2003.

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Cenas do filme "Os Sonhadores"

Dirigido por Bernardo Bertolucci, “Os Sonhadores” conta a trama de um jovem que vai estudar em Paris em 1968 e acaba conhecendo os irmãos gêmeos Isabelle e Theo em que, juntos, irão viver as efervescências da época.

O longa é como uma homenagem e celebração do movimento, trazendo diversas referências da época à tona, além de debates presentes naquela época como relacionamentos, política e a violência ou não violência como tática de militância. Com mais de três décadas de distância do momento francês, o filme não é apenas uma representação daquela época, mas também traz um olhar crítico em uma espécie de homenagem à efervescência estudantil e um convite à repensar a sociedade do novo século.  

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Dois anos depois, foi a vez de o ator Louis Garrel retornar às telonas, mas desta vez dirigido pelo seu pai, Phillipe Garrel, em “Amantes Constantes”. O filme retoma a temática de “Os Sonhadores”, mas desta vez o ator interpreta um jovem que está junto aos amigos na militância política, até se apaixonar por uma jovem no meio de barricadas e confrontos com a polícia.

A obra, por ter sido feita no século seguinte, traz uma perspectiva mais pessimista da história mostrando um certo fracasso das manifestações de Maio de 68 que é vista em uma rotina desiquilibrada de ópio, festas e arte, além de uma instabilidade emocional que pode encerrar com sonhos de amar e fazer revolução.

Maio de 68 no Brasil

Glauber Rocha ficou conhecido pelo
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Glauber Rocha ficou conhecido pelo "Cinema Novo" no fim dos anos 1960

Ainda que muito se fale sobre o cinema com o contexto do Maio de 68 francês, a sétima arte brasileira não ficou para trás durante a época quando o tema são ideais revolucionários. Com um cenário de uma super valorização da produção cultural – que inclusive era incentivada pelos movimentos revolucionários – o chamado Cinema Novo ganhava o seu espaço na época.

Influenciados pela Nouvelle Vague francesa, diversos longas que se opunham ao status quo do cinema brasileiro que tinham em seu catálogo muitos musicais, comédias e épicos ao estilo hollywoodiano. Assim, novas propostas começaram a emergir, trazendo nomes como o de Glauber Rocha, que foi considerado um dos cineastas mais influentes da época.

Nesse momento, “Cinco Vezes Favela” (1962) de Marcos Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues, Joaquim Pedro de Andrade, Leon Hirszman emergiu no cinema sendo uma das obras que marcam o precursor momento no País. A trama é dividida em cinco episódios trazendo à tona cinco diferentes personagens dentro do cenário das favelas brasileiras.

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Obra "Vidas Secas" ganhou adaptação cinematográfica nos anos 1960

No ano seguinte, foi a vez da obra de Graciliano Ramos ganhar uma adaptação audiovisual no longa de Nelson Pereira dos Santos “Vida Secas” Foi o único filme brasileiro a ser indicado pelo British Film Institute como uma das 360 obras fundamentais em uma cinemateca e traz uma forte influência do neorrealismo italiano abordando muitos dos problemas sociais brasileiros.

Já de Glauber Rocha, “Deus e o Diabo na Terra do Sol” (1964) também foi um dos longas que marcaram a primeira fase desse movimento chamado Cinema Novo, traçando as revoltas dentro do sertão nordestino. No ano de 1968 foi a vez da história do famoso assaltante João Acácio Pereira da Costa ganhar espaço na sétima arte com o longa “O Bandido Da Luz Vermelha” de Rogério Sganzerla. O longa foi considerado um dos clássicos do cinema marginal.

Outros longas também recebem destaque durante esse período como “Terra em Transe” (1967) também de Glauber Rocha, Fome de Amor (1968) de Nélson Pereira, Macunaíma (1969), baseado no livro homônimo, com direção de Joaquim Pedro de Andrade e “Como Era Gostoso o Meu Francês” (1971) de Nelson Pereira dos Santos.

Depois de Maio

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Cena do filme "Depois de Maio"

Ainda que a efervescência revolucionária tenha acontecido há 50 anos atrás, o Maio de 68 retomou nesta década com o longa “Depois de Maio”, que chegou aos cinemas em 2012. O longa se passa já nos anos 1970 com jovens desiludidos de qualquer revolução tentando balancear realizações de desejos pessoais com a luta política radical.

Seja no Brasil ou na França, a verdade é que Maio de 68 foi um período que deixou muita história para contar reverberando até os dias de hoje seja nas telonas do cinema ou nos livros de história.  

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