O romance é um gênero clássico da literatura , mas isso não o impede de ter algumas nuances. É nesse sentido que o autor francês Patrick Deville no livro “Viva!”, fez uso de elementos da ficção, típicos dessa forma clássica de narração, aplicando-os num relato diferenciado, ainda que fiel a realidade.

Patrick Deville
Reprodução/Twitter
Patrick Deville

Projetando uma maior ambição para o livro “Viva!”, é que Patrick Deville relatou os últimos dias do líder revolucionário soviético Léon Trótski e sua mulher Nathália Ivánovna Sedova, ambos perseguidos por Stálin, que se refugiaram na Cidade do México depois de lutarem para conquistar um abrigo no país. De acordo com declarações do autor feitas à imprensa brasileira, é certo que Trótski foi feliz no México, ainda que tenha vivido tempos difíceis por dormir e acordar com o pressentimento de poder ser assassinado a qualquer momento.

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Levando o leitor para um mergulho que proporciona uma viagem real e fiel no que diz respeito a conhecer a passagem de Trótski pelo México das décadas de 1920 e 1930, é que Patrick chamou a atenção para a sua mais recente obra, que intitula, junto com as outras, de “romance de não ficção”.

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Patrick Deville

A não ficção de Patrick Devile e a Flip 2017

Longa narrativa em prosa, personagens e um plano artístico como cenário para ações. Esses três elementos são os que caracterizam, basicamente, como funciona a estruturação de um texto considerado romance na literatura. Além dessas peculiaridades particulares do romance, o uso de elementos ficcionais também faz com que esse gênero tenha a própria individualidade se comparados a folhetins ou novelas, tipos literários com os quais costuma-se confundir obras românticas.

É fato que o romance é um dos gêneros mais trabalhosos no que diz respeito a criação, já que uma das principais características desse tipo de obra é a extensão longa. Porém, o empenho não é só o que está em jogo quando o assunto é romance. Há também um grande reconhecimento por parte da academia pelo fato dessas narrações serem clássicas no universo da literatura. Mas, mesmo com a bagagem de tradição, não é impossível que os romances tenham novas (e diversas) nuances – e é aí que Patrick Deville entra em cena.

Referenciando a técnica usada pelo autor francês, Samuel Titan, notável professor brasileiro que já traduziu autores como os Irmãos Grimm e Bertolt Brecht, além de ter editado obras do próprio Patrick Deville , falou sobre a possibilidade de usar o real como uma forma de penetrar no coração de personagens reais por meio da imaginação, essência do “ romance de não ficção”. “É possível fazer o contrário: partir de pessoas e situações reais, documentadas e atestadas, e tentar penetrar no coração desses personagens por meio da imaginação romanesca. Truman Capote faz isso em "A sangue frio", se tornando um dublê de repórter-com-romancista”, explica.

“O que o Deville faz segue nessa mesma linha. Ele quer ser, digamos, um dublê de repórter-com-historiador. Ele parte de personagens históricos e tenta devassá-los, compreendê-los por meio de sua imaginação de escritor, forte e fartamente nutrida de documentação e conhecimento históricos. Em linhas gerais, é nisso que consiste o ‘romance sem ficção’”, observa.

Ainda de acordo com Samuel, transitar entre o verdadeiro e o ficcional não é novidade no universo romântico da literatura . “Faz muito tempo que o romance brinca com as fronteiras entre o que é ficção e o que é real. Basta pensar em tantos romances do século XIX em que o autor faz coincidir momentos do enredo ficcional com episódios históricos bem conhecidos do público”, explica. “Stendhal faz isso quando põe o herói 100% ficcional de "A cartuxa de Parma" no meio da batalha de Waterloo, por exemplo”, complementa.

Nesse sentido, dá para entender bem que a obra de Patrick envolve uma inversão de papéis: enquanto os romancistas ditos “ficcionais” usam desse artifício para envolver o leitor em histórias inventadas, o francês faz uso de fragmentos dele para solidificar a fidelidade à realidade em seus livros .

Sobre essa artimanha desenvolvida e muito bem aplicada por ele, Joselia Aguiar, curadora da Festa Literária Internacional de Paraty que acontece no Rio de Janeiro desde 2003, que receberá o autor francês em uma das mesas na edição de 2017, declarou o que levou o nome de Patrick Deville a ficar entre os escolhidos para compor o grupo de autores na Flip . “É um autor francês de grande qualidade, com histórias que se passam em diversas partes do mundo, inclusive nas Américas”, opina. “Dois livros novos seus estão saindo no Brasil e o “Viva!”, que fala do Trótski casou com esse ano, que é o do centenário da Revolução Russa. Um episódio histórico que alterou todo o século 20”, completa explicando.

Na Flip de 2014, a festa recebeu convidados como Fernanda Torres e Marcelo Rubens Paiva para compor uma mesa de debates
Walter Craveiro/Flip.org.br
Na Flip de 2014, a festa recebeu convidados como Fernanda Torres e Marcelo Rubens Paiva para compor uma mesa de debates

Joselia, ainda sobre Patrick, deu a dica para quem quiser conferir o autor na Flip . “Ele estará em Paraty em todos os cinco dias e sua participação no programa será numa mesa do sábado, ao lado da jornalista argentina Leila Guerriero”, adianta Joselia.

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Patrick Deville

Patrick Deville nasceu na cidade francesa de Saint-Brévin em 1957 e é conhecido como escritor-viajante. Entre 20 e 25 anos de idade, Patrick se formou em Letras e Filosofia, depois exerceu cargo de professor em Cuba, na África e no Golfo Pérsico, além de ter desempenhado funções de adido (tipo de funcionário diplomático agregado à legação do próprio país que funciona como um representante específico de sua nação).

As obras de Patrick Deville , que passam pelos séculos XIX e XX em pontos distantes e distintos ao redor do mundo, compõem o processo que o levou a começar a publicar uma série de “romances sem ficção”. “Viva!”, livro publicado pela Editora 34 em 2016, se passa nos anos em que Léon Trótski viveu exilado no México na companhia da esposa. Além dessa obra, há também uma mais atual, "Peste e cólera", outra publicação da Editora 34, mas em 2017. As páginas fazem um retrato de Alexandre Yersin, cientista que descobriu o bacilo da peste.

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